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10.11.2022
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Equipe Afya Educação Médica
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O psiquiatra Juliano Moreira entrou para a história como o "fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil." Este post trata da história da psiquiatria e, principalmente, desse médico que entrou na faculdade aos 14 anos de idade.
Além da psiquiatria, outra área da Medicina permeava na mente do jovem doutor, cuja tese de formatura repercutiu internacionalmente, ao propor novas abordagens sobre a sífilis* — uma das doenças que mais matava naquela época.
Mas este artigo é mesmo sobre sua imensa colaboração para a psiquiatria. Nas próximas linhas, você vai conhecer um pouco mais sobre a história da psiquiatria em nosso país, sua evolução e, sobretudo, a grande colaboração do médico Dr. Juliano Moreira à área.
Boa leitura!
Uma curiosidade não tão bem-vista mostra que, até a metade do século XIX, os pacientes psiquiátricos eram “tratados” pela Justiça. Assim, aqueles que se apresentavam violentos eram, simplesmente, trancafiados em prisões, enquanto os pacíficos não recebiam nenhum tratamento e simplesmente perambulavam pelas ruas.
Entretanto, conforme o final do século se aproximava, as mudanças nos cuidados com estes pacientes, que já eram aplicadas mundo afora, passaram a ser usadas no Brasil. Estes pacientes começaram a ser admitidos nas Santas Casas de Misericórdia, contudo — por serem muito diferentes dos outros pacientes dos hospitais — não eram mantidos no ambiente hospitalar por muito tempo.
Até que, no ano de 1852 foi inaugurado o "Hospício Dom Pedro II", primeiro hospital psiquiátrico brasileiro, no Rio de Janeiro, que oferecia como tratamento oficinas de marcenaria, costura e sapataria. Com a Proclamação da República, o local passou a ser chamado "Hospício Nacional dos Alienados".
Em 1903, o hospital passou a ser dirigido pelo Dr. Juliano Moreira, um médico baiano, que se destacou na faculdade como alienista (como eram denominados os médicos especialistas em doenças mentais no século XIX, por tratarem de "alienados"), que transformou a gestão hospitalar do tratamento psiquiátrico.
Alguns anos depois, em 1898, em São Paulo, foi inaugurado o Hospital do Juqueri, dirigido pelo médico paulista Francisco Franco da Rocha, seguindo os tratamentos de seu mentor — o Dr. Juliano Moreira — tornando-se o primeiro diretor do local.
Assim, ele dava aos pacientes um tratamento ocupacional — que posteriormente originaria a Terapia Ocupacional. Posteriormente, o Dr. Franco da Rocha assumiu a cadeira de Psiquiatria da recém-inaugurada Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (que se tornaria a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP).
Alguns anos depois, em 1918, começou a administrar o primeiro curso de psiquiatria da faculdade. Já em 1935, seu ex-aluno, o Dr. Antônio C. Pacheco assumiu a cadeira via concurso público e tornou-se o primeiro professor titular de Psiquiatria da FMUSP.
O atualmente integrante da lista de médicos de sucesso no Brasil, nasceu em 6 de janeiro de 1872, na cidade de Salvador, Bahia, o então menino pobre, Juliano Moreira, era filho do português Manoel do Carmo Moreira Júnior (inspetor de iluminação pública) e da mãe, Galdina do Amaral (empregada doméstica).
Entrou na Faculdade de Medicina da Bahia antes dos 15 anos de idade patrocinado pelo patrão da sua mãe, o Barão de Itapuã. Quando se formou, aos 19 anos, era um dos primeiros médicos negros brasileiros, e sua tese era sobre Sífilis maligna precoce.
Na época, o já "Dr. Juliano Moreira" começou a clinicar na Santa Casa de Misericórdia, como médico assistente no Hospital Santa Isabel. Em setembro de 1894 prestou um concurso e ingressou como preparador de anatomia médico-cirúrgica.
Nesse ano mesmo, identificou no Brasil a doença que já era endêmica nos países quentes, Leishimaniose tegumentar. Destacou-se, ainda, como o primeiro a descrever a Hydroa vacciniforme (um tipo de fotodermatose rara) a qual foi publicada no Britsh Journal of Dermatology.
Além disso, foi o primeiro cientista a usar o microscópio para estudar o Micetoma (Dactylolysis spontanea). Por fim, o Dr. Juliano foi o primeiro médico a fazer uma punção lombar na Bahia, para estudar o líquido cefalorraquidiano dos pacientes das doenças sífilis também de lepra.
Depois de cinco anos, o Dr. Juliano passou no concurso (em primeiro lugar) para professor substituto da disciplina de doenças nervosas e mentais na mesma instituição. Além da área de saúde mental, se destacou em outras áreas, inclusive como pioneiro em diversas atividades.
O Dr. Juliano Moreira era atuante na Escola Tropicalista da Bahia e participou da fundação da Sociedade de Medicina e Cirurgia. Além disso, contribuiu por dez anos na revista Gazeta Médica da Bahia, onde era o principal redator.
O médico brasileiro viajou a estudos para vários países da Europa, entre os anos de 1895 a 1902, realizando cursos e fazendo estágios em doenças mentais, além de visitar diversos asilos nos países europeus: França, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Bélgica, Escócia, Itália e Suíça.
Doente de tuberculose, o médico ficou internado no Cairo, Egito, onde conheceu a enfermeira alemã Augusta Peick e se casou com ela. Durante esse período, o dedicado médico foi membro de várias sociedades médicas no mundo todo, como:
De volta ao Brasil, em 1903 passou a dirigir o serviço sanitário Nacional de Alienados. No mesmo ano, o Dr. Juliano expôs ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, a importância da criação de uma lei geral de Assistência a Alienados, a qual foi sancionada no mesmo ano.
Em 1911, o Dr. Juliano Moreira fundou o Manicômio Judicial, e nomeou como diretor seu grande amigo e que depois o sucedeu no Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro, o psiquiatra Heitor Carrilho.
A história da psiquiatria conta que o médico negro famoso, Juliano Moreira, foi membro da diretoria da Academia Brasileira de Ciências entre os anos de 1917 e 1929, sendo seu Presidente nos últimos três anos.
O Dr. Moreira ainda foi médico-adjunto do Asylo São João de Deos, inaugurado em 1874, o qual era vinculado à Santa Casa da Misericórdia da Bahia, hospital que, em 1922 passou a ser chamado Hospício São João de Deus, e Hospital São João de Deus em 1925, e finalmente, em 1936 passou a ser chamado Hospital Juliano Moreira, que até os dias atuais é considerado uma referência no estado da Bahia em tratamentos psiquiátricos.
Em novembro de 1930, o governo brasileiro dissolveu o Congresso Nacional, as câmaras, as assembleias estaduais e instituiu interventores nos estados. Em decorrência disso, em 8 de dezembro de 1930, o Dr. Juliano Moreira foi destituído da direção do Hospital Nacional de Alienados.
Já aposentado, continuou visitando alguns pacientes particulares, atendia no Sanatório Botafogo e frequentava a Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina. Sua doença, a tuberculose, piorou e seu médico, o Dr. Miguel Couto, o enviou ao Sanatório de Correias, na serra de Petrópolis, onde faleceu aos 61 anos em 1933, sem ter tido filhos.
Aqui, você verá as inúmeras, ou melhor, as quase incontáveis colaborações do psiquiatra à saúde mental no Brasil. Confira!
Durante seu trabalho na direção do Hospício Nacional dos Alienados, várias das suas ações fizeram com que ele fosse considerado um dos pioneiros da psiquiatria brasileira:
Além disso, implementou o Pavilhão Seabra com diversas oficinas (mecânica, eletricista, carpintaria, ferreiro, tipografia, costura, artísticas etc.) visando a recuperação de pacientes. Estas mesmas oficinas terapêuticas foram apresentadas ao físico Albert Einstein, quanto ele visitou o Brasil em 1925.
Nessa fase, o hospital acolheu João Cândido, líder da Revolta da Chibata, para tratar uma “psicose de exaustão”. Outro feito do Dr. Juliano foi a defesa de que as doenças mentais se devem a fatores físicos e situacionais, incluindo a falta de higiene e de acesso à educação.
O Dr. Juliano Moreira contrariava o pensamento racista da época em voga no meio acadêmico — o qual atribuía os problemas mentais da população brasileira à miscigenação. Explicamos a seguir!
Seu ex-professor, que posteriormente foi seu colega como professor, Raymundo Nina Rodrigues, foi um dos precursores do racismo científico no Brasil, uma crença do homem branco europeu da segunda metade do século XIX até o início do século XX, sobre povos tidos como primitivos, mascarada pelo "status de ciência", com teses como a degenerescência.
Ele postulava que as três raças principais (branca, negra e indígena) passavam aos seus filhos caracteres patológicos diferenciais de valor. Para ele (Raymundo), a inferioridade racial de negros e indígenas em relação ao branco, era indiscutível — pensamento comum e não tido como racista na época.
Dessa forma, a mistura de raças de diferentes patamares evolutivos (com os brancos como mais evoluídos) resultaria, inevitavelmente, em pessoas desequilibradas, degeneradas e inferiores física, intelectual e comportamentalmente, ou seja, em doentes mentais.
Assim, até o começo do século XX, o tratamento de pessoas com transtornos mentais no País as doenças mentais eram relacionadas à cor da pele. A respeito disso, Dr. Juliano lutou incansavelmente.
Vale mencionar, ainda, que devido às suas viagens à Europa, conheceu a Psicanálise, até então inexistente no Brasil. Por isso, é considerado o introdutor da mesma no Brasil, em um período em que nem se mencionava Freud no país.
Foram e continuam sendo muitas as contribuições à Medicina do Dr. Juliano Moreira da atualidade, em especial à psiquiatria. A seguir, elas são divididas nas contribuições diretas ao hospital que recebeu seu nome e nas colaborações indiretas, resultado do modo como ele atuou em sua vida como médico.
Nos dias atuais, o Hospital Juliano Moreira (HJM) tem como missão oferecer assistência em Saúde Mental, garantindo a recuperação e, com isso, a melhora da qualidade de vida dos pacientes, visando restaurar a cidadania e a reintegração à sociedade.
Cabe salientar que uma enorme contribuição do HJM aos dias atuais: prestar assistência psiquiátrica a todos os pacientes que forem encaminhados por meio dos serviços da Capital e também de todo o interior da Bahia, sendo uma referência em Saúde Mental no Estado.
Com isso, tornou-se um modelo em termos assistenciais e também na formação técnico-profissional. Além disso, os atendimentos de emergência são feitos durante 24 horas, diariamente. Se houver necessidade de internação, a pessoa é encaminhada ao Hospital.
Até os dias atuais, a forma como o Dr. Juliano passou a tratar dos pacientes é mantida e aprimorada. Se o tratamento ao paciente psiquiátrico no Brasil é humanizado, devemos isso a ele.
Além disso, a assistência aos familiares merece destaque, bem como a abolição das camisas de força, de manter pacientes amarrados, e do oferecimento de oficinas de trabalho e artísticas.
O Dr. Juliano Moreira é patrono da cadeira 57 da Academia Nacional de Medicina. No ano de 2001, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia criou o "Prêmio Juliano Moreira".
Por meio dele, a cada seis meses, um graduando em Medicina que apresentar as mais expressivas atividades de extensão ao longo do curso é contemplado com a premiação. Além disso, visando a preservação da sua memória, foi criado o Memorial Juliano Moreira, sendo uma ala do hospital psiquiátrico com seu nome, na Bahia.
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Esperamos que você tenha gostado deste texto, que conta um pouco de como foram os primeiros passos da psiquiatria no Brasil e de conhecer o incrível profissional da Medicina — o psiquiatra Dr. Juliano Moreira — como a sua história, os motivos que fizeram dele um dos pioneiros da psiquiatria brasileira e, enfim, nas suas incontáveis colaborações à psiquiatria brasileira e, quiçá, mundial.
Uma história inspiradora como esta merece ser lida por todos. Por isso, compartilhe-a com seus amigos e familiares em suas redes sociais e receba muitas curtidas e comentários positivos.
* https://www.scielo.br/j/physis/a/C4DzDmKQNqsVctd38mRNVtB/?lang=pt