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Doenças psicossomáticas e as manifestações na pele: uma perspectiva da Dermatologia

Doenças psicossomáticas e as manifestações na pele: uma perspectiva da Dermatologia

As doenças psicossomáticas refletem aquelas doenças cujas evoluções são canalizadas por questões psicológicas (pensamentos, emoções e comportamento) e as doenças somatopsíquicas ecoam aquelas em que o aspecto biológico da doença afeta a psique. Os transtornos psicocutâneos podem ser doenças psiquiátricas primárias com manifestações cutâneas, e frequentemente encontrada na Dermatologia, com uma prevalência estimada de 30% de doenças psiquiátricas, em que os fatores psicológicos desempenham um papel importante no agravo de dermatoses já presentes.

Alopecia Areata

Alopecia areata (AA) é uma doença imunomediada com consequente perda de cabelos e pelos (alopecia). Os fatores etiopatogênicos incluem: fatores genéticos, imunológicos, endócrinos, infecciosos e psicológicos/ psiquiátricos. O papel dos fatores psicológicos na patogênese da alopecia areata tem sido objeto de debate há muito tempo. Resultados contraditórios foram relatados em diferentes estudos psiquiátricos, variando de que até 93% dos pacientes com alopecia areata tem um transtorno mental grave, à conclusão de que não há evidência de que os fatores psicológicos tenham um papel significativo na causa ou precipitação de ataques de alopecia areata. Mas a alopecia areata apresenta um impacto negativo no estado psicossocial do paciente, relações sociais e atividades cotidianas, conforme a doença tende a se repetir, e às vezes leva a grande desfiguração em suas formas graves.

Em outro estudo foi avaliado alguns fatores psicológicos, como vida estressante, eventos, como gatilhos no início e / ou exacerbação da alopecia areata, os níveis de depressão e ansiedade e o impacto da doença na qualidade de vida. Os eventos de vida estressantes como fatores desencadeantes em AA têm sido objeto de muitos estudos anteriores, com resultados contraditórios.

A comorbidade de transtornos psiquiátricos, a saber, transtorno de ansiedade generalizada, depressão, estados fóbicos e transtornos paranóides, na patogênese da AA  também têm sido o foco da atenção sem evidência significativa. Nesse mesmo estudo sobre a qualidade de vida, resultado do sofrimento psicológico sofrido por pacientes com AA devido às repercussões estéticas. Nesse estudo de poucos pacientes, parece improvável que a ansiedade e a depressão desempenhem um papel importante na etiopatogênese do AA.

Por outro lado, eventos de vida estressantes podem atuar como um gatilho para o aparecimento e / ou exacerbação da doença. Além disso, o AA parece ter um impacto parcialmente negativo na qualidade de vida desses pacientes. Consequentemente, sugerimos que a intervenção psicológica pode ser útil em pacientes selecionados para um tratamento eficaz.

Tricotilomania

A tricotilomania é uma doença complexa de etiologia ambiental e genética. Os critérios estão descritos na tabela abaixo. Outras comorbidades psiquiátricas incluem depressão e fobias. A prevalência ao longo da vida é de 1% a 4%. Normalmente começa por volta dos 13 anos e com prognósticos piores à medida que continua na idade adulta.

Existe uma predominância feminina. O couro cabeludo é o local mais comumente afetado, seguido pelas sobrancelhas e cílios.

Tricotilomania
Tricotilomania
Acervo pessoal: Dra. Maria de Fátima Amorim

Depois que um cabelo é puxado, pode ser manipulado torcendo-o em torno dos dedos ou o paciente pode morder a raiz do cabelo (tricofagia). As áreas de alopecia são nitidamente definidas, assimétricas. Em casos graves envolvendo o vértice (padrão de tonsura), o cabelo nas margens é caracteristicamente poupado (sinal de Friar Tuck). Os fios de cabelos quebrados têm comprimentos diferentes. O tratamento inclui psicoterapia e medicamentos.

Tabela II. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, critérios de diagnóstico para transtornos obsessivo-compulsivos e relacionados

  • Tricotilomania (transtorno de puxar o cabelo)
  • Arrancamento recorrente do cabelo, resultando em perda.
  • Tentativas repetidas de diminuir ou parar o puxão de cabelo.
  • O puxão de cabelo causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes de funcionamento.
  • O puxão de cabelo ou queda de cabelo não é atribuível a outras condições médicas (por exemplo, uma condição dermatológica).
  • O puxão de cabelo não é melhor explicado pelos sintomas de outro transtorno mental, como, por exemplo, o dismorfismo corporal.

Onicofagia

Onicofagia, comumente referida como o ato de roer unhas, é uma condição crônica que é de natureza repetitiva e compulsiva. Embora comumente visto em crianças e adultos jovens, há uma escassez de estudos epidemiológicos relacionados. Uma revisão da literatura demonstra que vários estressores podem causar uma exacerbação de roer unhas de forma "impulsiva", desde o estresse escolar à disfunção familiar. Isso pode ser explicado pela ansiedade subjacente, criando um comportamento impulsivo de feed-forward que ajuda a acalmar o paciente.

Outros pesquisadores sugerem que roer as unhas é uma forma de crianças e adolescentes chamarem a atenção. A literatura atual estima que a prevalência de roer unhas seja de 20-30% da prevalência geral. Roer as unhas é mais prevalente em crianças (37%) e jovens até 21 anos, com uma tendência de queda na prevalência conforme os indivíduos afetados atingem a idade adulta (21,5%) entre aqueles de 18 a 35 anos.

Não há consistência dos dados em relação ao sexo. Embora a etiologia exata de roer unhas ainda não tenha sido elucidada, os indivíduos experimentam este fenômeno de forma diferente. Alguns estão conscientes de que estão roendo as unhas, enquanto outros roem as unhas inconscientemente em circunstâncias ou gatilhos específicos. Por outro lado, roer as unhas compulsivamente pode ser um sinal de doença psiquiátrica, que pode ter consequências dermatológicas e dentais.

Estudos genéticos anteriores descrevem um fator genético positivo em jogo, onde mais de 30% dos pacientes com onicofagia têm um membro da família com o transtorno. Um estudo apontou que os pacientes, com ambos pais que relataram uma história de roer as unhas,  tiveram um risco 3 a 4 vezes maior de roer as unhas.

Onicofagia.
Acervo pessoal: Dra. Maria de Fátima Amorim.

Roer as unhas pode ser um fenômeno normal durante a infância, no entanto, critérios exatos, para o roer de unhas patológico, não estão claramente definidos. O Diagnóstico e a Estatística Manual of Mental Disorders Fifth Edition (DSM V) categoriza o roer unhas crônico como outro transtorno obsessivo-compulsivo especificado e é classificado no mesmo grupo que morde lábio e puxa o cabelo, com movimentos repetitivos e falha na tentativa de suprimir o comportamento compulsivo, mesmo em face de impacto social negativo.

Atualmente existem estudos inconsistentes comparando a associação entre transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e comórbidas mordidas de unhas compulsivas. É necessário fazer diagnóstico diferencial com outras onicopatias, como onicomicose, psoríase, entre outras. Até o momento, poucos fatores de risco para roer as unhas foram identificados. Mamadeira por período prolongado, junto com o uso de chupeta, são considerados fatores de risco potenciais. Atividades calmantes, como chupar o polegar, são as primeiras atividades musculares coordenadas formadas por uma criança e o reflexo de sucção é inicialmente necessário para que os bebês se alimentem.

Esses comportamentos, normalmente, desaparecem gradualmente em torno dos 3 anos, no entanto, especula-se que o início de roer unhas seja uma continuação patológica. As complicações da mastigação compulsiva crônica das unhas variam de distorção óbvia da unidade de leito da unha até infecção ungueal e oral. O ato de trauma crônico na unidade ungueal pode causar um encurtamento progressivo da unha, alterações na forma e crescimento da unha, distúrbios da articulação temporomandibular e alterações dentárias. O tratamento deve envolver uma equipe multidisciplinar, tratamento psicológico e até medicamentoso.

Psoríase

A psoríase é uma doença inflamatória crônica, imunomediada, associada à genética e fatores ambientais, com alteração da qualidade de vida aferida pelo teste chamado DLQI.  A psoríase é uma doença-chave no agrupamento de transtornos psicocutâneos. Em alguns artigos é incluída nos transtornos de estresse pós- traumático e outros. Apresenta-se como placas eritematoescamosas em qualquer parte do corpo, pruriginosa na maioria dos casos, com eventual associação com síndrome metabólica, artropatia, alteração nas unhas e outros órgãos.

A escolha do tratamento deve ser feita considerando-se a gravidade e a extensão do quadro clínico e do comprometimento psicológico e emocional. O diagnóstico precoce e a instituição de terapêutica adequada desempenham um papel fundamental na diminuição do impacto físico, emocional e social, bem como das comorbilidades associadas. O prurido está intimamente relacionado à diminuição psicossocial do bem-estar de pacientes com doenças cutâneas pruriginosas crônicas, incluindo psoríase. A coceira pode interferir com vários aspectos do funcionamento do paciente, emoções e status social.

A National Psoriasis Foundation, nos EUA, afirma que, além do impacto físico, a psoríase afeta significativamente o funcionamento mental e emocional. A psoríase está independentemente associada à depressão, uma vez que os pacientes com psoríase têm duas vezes mais probabilidade de ter pensamentos suicidas em comparação com a população em geral e pessoas com doenças crônicas.

O estudo apontou também que 10% dos pacientes pesquisados ​​expressaram o desejo de morrer. A psoríase também foi associada a transtornos relacionados ao estresse e transtornos de comportamento. Pessoas com psoríase relatam sentir-se constrangidas e desamparadas. O estigma social associado ao estado de doença, eventualmente, se manifesta como baixa autoestima e contribui para um ajuste psicossocial insatisfatório.

Mecanismos de enfrentamento, como evitar estar em público, comer demais e abusar do álcool, são frequentemente procurados pelos pacientes. Pode-se atribuir a exacerbação a outras condições comórbidas graves de saúde, nomeadamente obesidade e doenças cardíacas. Este ciclo continua quando problemas de saúde mental não resolvidos, impedem os pacientes de gerir eficazmente a sua doença. O acesso inadequado ao tratamento também pode causar depressão e ansiedade. Esses impactos psicossociais podem, portanto, afetar negativamente a progressão da doença, pois o estresse é um gatilho documentado para crises de psoríase e artrite psoriática.

Assim, os aspectos adversos da psoríase para a saúde mental têm dimensões multifacetadas, não só têm uma influência psicológica direta, mas também podem agravar o processo da doença, amalgamando assim os efeitos psicossociais. Como resultado, o estado de saúde mental pode interferir na capacidade dos pacientes de aderir e responder ao tratamento. O peso da doença, que vai desde dor física, sofrimento psicológico e ostracização social, aumenta ainda mais. Além disso, o controle dos sintomas da psoríase foi associado à melhora dos sintomas psicológicos.

Portanto, as pessoas com psoríase devem receber tratamento que abrange atenção primária, especializada e psiquiátrica. Por último, o desenvolvimento de medidas de qualidade, intervenções oportunas e padrões de cuidados relacionados ao tratamento holístico de pacientes com psoríase ajudaria a melhorar a prestação de cuidados e os resultados de bem-estar do paciente.

Veja também: Tricologia: uma extensão da dermatologia, além da autoestima

As imagens do artigo são apenas alguns exemplos de dermatoses.

Texto escrito por:

Profa. Maria de Fátima Amorim - Dermatologia

Médica dermatologista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia em parceria com a Associação Médica Brasileira. Mestrado em Dermatologia pela Universidade Federal de São Paulo. Dermatologista nas prefeituras de Guarujá e Bertioga. Professora e coordenadora da pós- graduação de Dermatologia e Dermatologia Estética da Faculdade IPEMED. Dermatologista com aprimoramento na área de tricologia.

REFERÊNCIAS
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  3. A. Tülin Güleç, MD, Nilgün Tanrıverdi, MD, Çagay Dürü, MSc, Yasemin Saray, MD, and Cenk Akçalı, MD . The role of psychological factors in alopecia areata and the impact of the disease on the quality of life. International Journal of Dermatology 2004, 43, 352–356
  4. http://dx.doi.org/10.1016/j.jaad.2016.11.013
  5. DOI: 10.2340/00015555-2374
  6. doi: 10.4103/0019-5545.120531