Transtorno do Espectro Autista: definição, etiologia e diagnóstico

Autor(a)
Dra. Vanessa Tomaz de Castro Moraes

Médica neuropediatra com título de especialista pela Associação Médica Brasileira e pela Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil. Formada em pediatria e Neuropediatria pela Faculdade de Medicina do ABC. Professora da Afya Educação Médica.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a forma como uma pessoa percebe e interage com o mundo ao seu redor. De acordo com dados do CDC (Centers for Disease Control and Prevention – EUA), divulgados em março de 2023, uma pesquisa realizada em 2020 revelou que 1 em cada 36 crianças de 8 anos tem o diagnóstico de TEA. Embora no Brasil não haja dados precisos, estima-se que cerca de 1% da população seja afetada por essa condição.

Etiologia do TEA

A etiologia do TEA é complexa e multifacetada, envolvendo uma interação entre fatores genéticos e ambientais. Existe uma forte influência genética no TEA, com uma alta taxa de recorrência em famílias com histórico da condição. No entanto, o TEA não é causado por uma única mutação genética, mas sim por uma combinação de fatores genéticos. Dentre os fatores ambientais sabemos que a exposição a toxinas durante a gravidez, fatores pré-natais, como complicações durante a gravidez e parto prematuro, estão associados a um maior risco de desenvolvimento de TEA. Embora a etiologia exata do TEA ainda não seja completamente compreendida, uma abordagem multidisciplinar que integre pesquisas genéticas, neurobiológicas e ambientais está ajudando a elucidar os mecanismos subjacentes à condição.

Há disparidades de gênero na incidência do TEA, com uma proporção significativamente maior de meninos sendo diagnosticados em comparação com meninas, estimada em cerca de 4:1 a 5:1. No entanto, a razão para essa discrepância ainda não está completamente elucidada. Atualmente, reconhecemos que as meninas têm uma maior habilidade de mascarar os sintomas, o que pode levar a diagnósticos mais tardios.

A evolução do diagnóstico do TEA remonta ao passado, quando era conhecido como autismo. Originado do grego "autos", significando "próprio" ou "de si mesmo", o termo foi inicialmente utilizado por Eugen Bleuler para descrever um estado de introspecção e, posteriormente, adotado por Leo Kanner em 1943 para descrever características comportamentais específicas em crianças4. A inclusão do autismo no DSM-III em 1980 marcou um marco significativo, e em 2013, com o DSM-5, o termo "Transtorno do Espectro Autista" foi formalmente estabelecido. Essa mudança reflete uma compreensão mais ampla e inclusiva da condição, reconhecendo a diversidade de sintomas e níveis de funcionamento associados ao TEA.

O diagnóstico do TEA é realizado por avaliação minuciosa dos padrões comportamentais do indivíduo, conduzida por médicos especializados na avaliação do neurodesenvolvimento e por uma equipe multidisciplinar especializada na área. É importante ressaltar que nem sempre o diagnóstico é fechado com uma única avaliação, muitas vezes sendo necessário um processo de avaliação multidisciplinar para fornecer um suporte diagnóstico adequado.

Critérios diagnósticos DSM

Critérios diagnósticos DSM -5 – TR Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Critério A:

Déficit persistente na comunicação social e na iteração social em múltiplos contextos, conforme manifestado por todos os seguintes aspectos, atualmente ou por história prévia:

  1. Déficits na reciprocidade socioemocional:

Dificuldade de interagir e se relacionar emocionalmente com outras pessoas. Por exemplo, a criança não responde ao seu nome quando chamada, não inicia interações sociais, não compartilha brincadeiras, não imita comportamentos ou expressões e tem dificuldade em entender os sentimentos e expressões dos outros. Nos adolescentes e adultos, essas dificuldades se manifestam de maneira mais complexa.

Por exemplo, eles podem ter problemas em entender pistas sociais sutis, como quando e como entrar em uma conversa, o que é apropriado dizer em diferentes contextos sociais e podem enfrentar dificuldades ao lidar com situações novas e desconhecidas.

  1. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para a interação social:

Em crianças, esses déficits podem incluir a falta de contato visual ou o contato visual inconsistente, a ausência de gestos como acenar ou mandar beijos por volta dos 12 meses de idade, a falta de apontar para objetos de interesse e o uso do corpo de outras pessoas como ferramenta para alcançar o que desejam. Nos mais velhos, esses déficits se manifestam como dificuldade em coordenar a comunicação não verbal com a fala.

Isso pode resultar em uma linguagem corporal rígida ou exagerada, e eles geralmente fazem um esforço extra para manter esses aspectos por períodos mais prolongados. Além disso, podem ter dificuldade em reconhecer e interpretar expressões faciais, o que pode afetar a capacidade de compreender as emoções e intenções dos outros durante as interações sociais.

Esses desafios nos comportamentos comunicativos não verbais podem prejudicar a capacidade de estabelecer e manter relacionamentos interpessoais, bem como a comunicação eficaz em diferentes contextos sociais.

  1. Déficits para desenvolver manter e compreender relacionamentos interpessoais

Reciprocidade social que devem ser avaliados em relação a idade. Em crianças pequenas, por exemplo, falta de interesse por outras crianças da mesma idade, a relutância em compartilhar brinquedos ou participar de brincadeiras em grupo, preferência por brincar sozinha e a ausência de atividades de faz de conta por volta dos 2 anos e meio de idade.

Além disso, pode haver dificuldade em alternar turnos durante brincadeiras mais complexas, o que é esperado em torno dos 5 anos de idade. Nos mais velhos, esses déficits se manifestam como dificuldade em compreender e manter relacionamentos interpessoais devido à dificuldade em discernir o comportamento apropriado para diferentes situações sociais.

Eles podem ter problemas para compreender figuras de linguagem, como metáforas e ironias, o que pode afetar sua capacidade de interpretar corretamente o que está sendo comunicado em conversas cotidianas.

Critérios B:

Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia:

  1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos:

Estas manifestações ocorrem de acordo com a idade, a capacidade, as intervenções e apoio atuais, por exemplo estereotipas manuais como balançar as mãos, estalar dedos, uso repetitivo de objetos como enfileirar os carrinhos, sempre girar determinado objeto; e a fala repetitiva e sem função de comunicação.

  1. Insistência nas mesas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal:

Por exemplo dificuldades com mudanças de rotina, mesmo que sejam simples, como mudar um caminho ou a embalagem de um alimento. Elas podem ser muito rígidas em seguir regras ou rituais específicos, como um padrão específico de comportamento ao sair de casa.

  1. Interesses fixos e altamente restritos ou são anormais em intensidade ou foco:

Por exemplo, criança que tem apego incomum a um objeto específico como uma panela, ou se concentrar intensamente em um tema específico e as vezes peculiar, como dinossauros ou linhas de ônibus.

  1. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente:

Sensibilidade incomum aos estímulos sensoriais, como sons, luzes e texturas. Algumas pessoas têm um limiar menor para sentir dor, enquanto outras podem ser incomodadas por sons altos ou ambientes com muitos estímulos visuais.

Além disso, podem apresentar comportamentos incomuns, como cheirar ou lamber objetos, ou se encantar com luzes e objetos giratórios. Essas características podem variar de uma pessoa para outra e podem se manifestar de maneiras diferentes ao longo do desenvolvimento.

Critério C:

Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se torna plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida).

Critério D:

Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

Em resumo, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição complexa com influências genéticas e ambientais. Seu diagnóstico evoluiu ao longo do tempo para refletir uma compreensão mais abrangente da condição. A conscientização e a compreensão do TEA são essenciais para garantir acesso a tratamentos adequados e promover a inclusão na sociedade. A pesquisa contínua é crucial para melhorar a qualidade de vida das pessoas com TEA.

Referências bibliográficas:  
  1. Maenner MJ et al. Prevalence and Characteristics of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 8 Years — Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2020. MMWR Surveill Summ 2023;72(No. SS-2):1–14.
  1. Teixeira MC, et al. Brazilian scientific output on autism spectrum disorders. Rev Assoc Med Bras (1992). 2010 Sep-Oct;56(5):607-14.
  1. Hirota T, King BH. Autism Spectrum Disorder: A Review. JAMA. 2023;329(2):157–168.
  1. Rosen NE, Lord C, Volkmar FR. The Diagnosis of Autism: From Kanner to DSM-III to DSM-5 and Beyond. J Autism Dev Disord. 2021 Dec;51(12):4253-4270

Os médicos que leram esse post, também leram:

Todos os Posts