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8.3.2024
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Equipe Afya Educação Médica
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A hormonização para pessoas trans é um dos processos mais desejados para quem deseja passar pela transição de sexo biológico, passo fundamental para alinhar o corpo com a identidade de gênero. A prescrição de hormônios e acompanhamento médico adequado são essenciais para garantir que essa etapa ocorra de forma segura e saudável.
Inadequações durante essa jornada podem gerar complicações de saúde relevantes, como desequilíbrios hormonais, osteoporose devido à perda óssea acelerada e alterações cardiovasculares, que afetam a qualidade de vida do paciente.
Quer entender como esse processo deve ser feito? Neste post, vamos abordar quais são as diretrizes médicas para a hormonioterapia. Confira!
É considerada transgênero uma pessoa cuja identidade de gênero não se alinha com o sexo atribuído no nascimento, sendo essa discordância independente das características físicas ou biológicas já definidas. De acordo com a plataforma de dados Statista, 3% da população mundial se identificam com transgênero, gênero fluido, não-binário ou de outras formas.
Cerca de 25 milhões de indivíduos no mundo, com mais de 15 anos de idade, se reconhecem como transgênero, conforme estudo publicado no National Library of Medicine.
No Brasil, há aproximadamente 3 milhões de pessoas adultas que se identificam como trans e não-binárias, o que corresponde a 2% da população nacional, segundo um levantamento feito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A análise revela que entre os homens trans, 85% relataram ter experimentado angústia ou desconforto em relação à sua própria imagem corporal, enquanto 50% das mulheres trans expressaram sentimentos semelhantes.
Indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+ comumente enfrentam desafios decorrentes de preconceitos e discriminação. Para transexuais, muitas vezes, esses atos preconceituosos são direcionados à sua aparência física, o que afeta a sua autoestima e saúde mental.
Um relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) aponta que o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo, resultando em uma expectativa de vida média alarmante de apenas 35 anos para essa comunidade.
A hormonização de gênero é definida como um processo médico pelo qual indivíduos transgênero buscam alinhar suas características físicas e biológicas com sua identidade de gênero. Para isso, é feita a administração de hormônios, como estrógeno ou testosterona, que ajudam no desenvolvimento de características secundárias associadas ao gênero desejado.
Por exemplo, para as pessoas trans femininas, a hormonioterapia pode envolver a administração de estrógeno para promover o crescimento de seios, suavizar a pele e redistribuir a gordura corporal. Para pessoas trans masculinas, ela pode incluir a administração de testosterona para promover o crescimento de pelos faciais e corporais, aumentar a massa muscular e alterar a distribuição de gordura.
Esse processo tem como objetivo permitir que o indivíduo transexual se sinta mais satisfeito e confortável com a sua imagem, de modo físico e psicológico. Os seus resultados também estão sujeitos à perspectiva e aos desejos individuais do paciente, já que alguns optam por realizar a cirurgia de redesignação sexual como parte de sua transição de gênero, enquanto outros escolhem não fazê-la.
Todavia, é importante que o médico responsável por esse procedimento oriente o seu paciente de forma realista, uma vez que os hormônios não alteram a sua forma por completo e nem a estatura da pessoa.
O médico que conduz a hormonização de gênero é da área de Endocrinologia, com especialização em saúde transgênero. É imprescindível ter treinamento específico para lidar com questões relacionadas à transição de gênero, prescrever e monitorar hormônios de forma adequada, levando em consideração as necessidades individuais de cada paciente.
É recomendado que outros especialistas, como médicos de família ou de Medicina Interna e psicológicos também estejam envolvidos nessa jornada, para dar assistência completa para o paciente e seus familiares.
Nos últimos anos, houve um aumento significativo na conscientização e aceitação da diversidade de gênero, o que levou a uma maior demanda por serviços de saúde específicos para pessoas trans.
Em resposta a essa procura crescente, muitos sistemas de saúde têm implementado políticas e programas para tornar a terapia hormonal mais acessível. Isso inclui a criação de clínicas especializadas no atendimento do público transgênero, onde os pacientes podem receber atendimento médico específico e suporte durante todo o processo.
Outro aspecto importante é a evolução das políticas de saúde e direitos humanos em muitos países, que têm pressionado por uma maior acessibilidade aos cuidados do bem-estar transgênero.
Todas as etapas da hormonização de gênero devem obedecer a um padrão de cuidados que protejam a saúde e bem-estar dos transexuais, o que inclui desde o seu acolhimento ao procurar por esse processo até a administração dos hormônios. Acompanhe, a seguir, quais são as diretrizes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SEBM) para prestar uma assistência segura e adequada aos seus pacientes.
Quando a pessoa trans chega ao consultório ou laboratório onde vai iniciar a hormonioterapia, é fundamental cadastrá-la e a chamá-la pelo nome social escolhido por ela, para evitar que se sinta constrangida, desrespeitada ou invisibilizada em um momento tão importante de sua jornada de transição.
Esse direito é garantido a ela a partir do Decreto no.8727 de 28 de abril de 2016, que determina que a Administração Pública e seus órgãos, como o SUS, devem se adequar antecipadamente a partir de um protocolo de atendimento que promova o acolhimento respeitoso das pessoas transexuais.
Para indivíduos pré-púberes, não é recomendado o uso de hormônios para bloquear ou afirmar o gênero. Adolescentes que passam por supressão ou indução da puberdade deverão ser monitorados por uma equipe multidisciplinar especializada, composta por profissionais de saúde mental que utilizem protocolos de pesquisa definidos pelo Comitê de Ética local.
É importante pontuar que o Conselho Federal de Medicina (CFM) ainda não emitiu uma resolução abordando o suporte a crianças e adolescentes transgênero, havendo apenas um parecer favorável (Parecer CFM nº 8/2013) expedido quando o órgão foi consultado anteriormente.
Para homens trans adultos, a Testosterona Total (soro) deve ser dosada respeitando um período de três a quatro meses. Além disso, os seus níveis devem estar dentro do que é previsto pelo Intervalo de Referência para homens cisgênero.
A forma com que as dosagens serão planejadas depende da modalidade de tratamento. Em se tratando especificamente da administração de Testosterona, é imprescindível seguir uma padronização ideal para o paciente.
Para os ésteres de testosterona injetáveis de longa duração, os níveis desejados devem ficar entre 400 e 700 ng/dL. As amostras de sangue devem ser coletadas no meio do intervalo entre as injeções ou no dia anterior à próxima aplicação para as de curta duração.
Se os níveis de testosterona estiverem acima de 400 ng/dL, os períodos entre as aplicações devem ser ampliados. No que se refere às preparações de testosterona transdérmica, as coletas de sangue devem ocorrer após sete dias de uso contínuo e diário, e no mínimo duas horas depois da administração.
A terapia hormonal de mulheres trans adultas é feita a partir da Testosterona Total (soro) combinada com Estradiol (soro), dosadas com intervalo de três a quatro meses. Os valores de Testosterona devem estar adequados à faixa de normalidade determinada para mulheres cisgênero, que é de 50ng/ML.
Por sua vez, os níveis de Estradiol devem obedecer às referências consideradas normais para durante a fase folicular do ciclo menstrual em mulheres cisgêneros, que é de 100 a 200 ng/ML. Nos casos em que o médico espera obter concentrações mais baixas, é indicado optar pelo método de dosagem por espectrometria de massa em tandem.
Alguns testes adicionais podem ser realizados, como a monitorização dos eletrólitos séricos, principalmente o potássio, a cada três meses e, posteriormente, uma vez por ano para pessoas que tomam espironolactona (diurético).
O hematócrito e a hemoglobina devem ser verificados no início do tratamento e a cada três meses no primeiro ano, seguido por exames anuais. Também é necessário acompanhar regularmente o perfil lipídico e o funcionamento do fígado. Em situações em que a paciente faz uso de esteroides, a prolactina deve ser monitorada periodicamente.
As metas da hormonização para a afirmação do gênero é reduzir os hormônios sexuais naturais do corpo e manter os hormônios sexuais prescritos em níveis que correspondam ao gênero com o qual a pessoa se identifica.
Contudo, é preciso esclarecer que os Intervalos de Referência para indivíduos trans ainda não foram definidos. Sendo assim, recomenda-se seguir os intervalos de referência determinados para o sexo oposto/ gênero de identidade.
Passar por uma terapia hormonal traz uma série de mudanças que impactam a pessoa trans de modo físico e psicológico. Veja, abaixo, quais são os cuidados necessários para preservar a qualidade de vida desses pacientes.
Acompanhar todas as etapas da hormonioterapia de gênero regularmente é indispensável para monitorar eventuais efeitos desencadeados pela presença dos hormônios no corpo e efetuar ajustes de dosagem quando houver necessidade.
Após a hormonização, o paciente deve ser submetido a exames laboratoriais periódicos, a fim de verificar a sua saúde em geral, como função hepática, níveis de lipídios e atividade renal, o que ajuda a identificar precocemente possíveis complicações.
O suporte psicológico é importante para ajudar o indivíduo a lidar com as mudanças físicas e emocionais decorrentes da hormonização, além de auxiliar na adaptação à identidade de gênero desejada.
Portanto, o paciente também deve se consultar com psicólogos ou terapeutas especializados em questões de identidade de gênero, que colaborem para o processamento e assimilação dos sentimentos e questionamentos que costumam surgir durante esse processo.
Também é papel do endocrinologista conscientizar o indivíduo transgênero dos efeitos colaterais e riscos associados à aplicação de hormônios, como alterações de humor e doenças cardiovasculares.
Essa conscientização permite que o paciente tome decisões informadas sobre seu tratamento e esteja preparado para lidar com eventuais complicações. Além disso, promove uma relação médico-paciente de confiança e colaboração, contribuindo para um cuidado de saúde mais eficaz e seguro.
Em muitos casos o tratamento hormonal pode comprometer a fertilidade. Diante disso, abordar essa possível consequência e discutir com o paciente alternativas para preservar a sua capacidade reprodutiva, caso seja do seu interesse ter filhos no futuro.
Manter um estilo de vida saudável, incluindo uma dieta balanceada, exercícios regulares e evitar substâncias prejudiciais, como tabaco e álcool, pode ajudar a minimizar os riscos à saúde durante o processo de hormonização.
Por isso, incentive os seus pacientes a adotarem uma rotina equilibrada, não só enquanto estão realizando o tratamento, mas também em longo prazo, para garantir o seu bem-estar contínuo.
A terapia hormonal para transição de gênero pode gerar diversos fatores de risco que exigem atenção especial. Tais implicações incluem potenciais efeitos colaterais dos hormônios administrados, como alterações cardiovasculares, risco aumentado de coágulos sanguíneos, mudanças nos níveis lipídicos e impactos na densidade óssea.
A administração prolongada de hormônios pode acarretar problemas futuros, como aumento do risco de certos tipos de câncer. Homens transgênero que fazem uso de hormônios femininos estão sujeitos ao carcinoma mamário, por exemplo.
Podem ocorrer, ainda, transtornos de saúde mental, como ansiedade e depressão, o que se deve ao estresse relacionado à discriminação, falta de apoio social e pressões externas atreladas à terapia.
Com o intuito de proporcionar um tratamento cada vez mais eficiente e seguro, a comunidade científica tem avançado bastante nas questões relacionadas à hormonização para afirmação de gênero.
Novas formulações de hormônios e métodos de entrega têm permitido uma terapia mais personalizada e eficaz, adaptada às necessidades individuais dos pacientes transgênero. Um exemplo disso é a disponibilidade de diferentes tipos de testosterona, como injetável, gel ou adesivo transdérmico, que permite que os médicos ajustem a terapia hormonal de acordo com as preferências e necessidades de cada indivíduo.
Ademais, há pesquisas para identificar biomarcadores que possam prever melhor a resposta de cada organismo aos hormônios, o que é essencial para evitar efeitos adversos indesejados.
A hormonização para pessoas trans promove bem-estar e qualidade de vida, possibilitando a elas uma maior harmonia entre sua identidade de gênero e sua expressão física. A atuação do endocrinologista é crucial para garantir um acompanhamento médico adequado e o uso seguro dos hormônios.
Para reduzir o estigma e a discriminação enfrentados por esses pacientes, é imprescindível oferecer um ambiente de tratamento acolhedor, empático e respeitoso, que reconheça e dignifique a sua autoidentificação de gênero.
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