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23.1.2024
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Equipe Afya Educação Médica
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O mosquito Aedes Aegypti, originário do Egito, é o responsável pela transmissão de arboviroses urbanas mais comuns do país, como a dengue, chikungunya e zika, que fazem parte das doenças tropicais negligenciadas ainda encontradas no Brasil. Nas últimas três décadas essa espécie foi a responsável pela morte de 10 mil brasileiros.
Somente em 2022, foram registrados 1.450.270 casos e 1.017 mortes provocadas por dengue no Brasil. E, segundo o Governo Federal, há uma estimativa do aumento de casos de dengue para o início de 2024 em função da combinação entre chuva e calor e pelo recente ressurgimento do sorotipo 3 do vírus.
Neste artigo, vamos apresentar as principais informações sobre a dengue, trazendo um histórico sobre a doença, sintomas, tratamentos e meios de prevenção. Nosso objetivo é que você esteja mais embasado para orientar seus pacientes sobre tais aspectos. Boa leitura!
Causada por um arbovírus transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti, a dengue apresenta quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Aqui, é importante observar que a infecção por um sorotipo gera imunidade permanente somente para ele, podendo evoluir para manifestações graves, atingindo bebês, crianças e adultos.
Essa doença está presente em mais de 100 países de regiões tropicais e subtropicais, sendo diretamente relacionada a fatores climáticos, como temperaturas mais elevadas, chuvas e umidade relativa do ar. Além disso, está ligada a fatores como a globalização e a crescente urbanização não planejada.
Popularmente conhecido como mosquito da dengue, o Aedes aegypti é a espécie de mosquito mais temida pelas pessoas há séculos. No Brasil, estudos indicam que a chegada do mosquito transmissor da dengue, chikungunya, zika e febre-amarela urbana ocorreu entre os séculos XVII e XIX, por meio de navios que transportavam pessoas da África para serem escravizadas na América Latina.
A capacidade dos ovos dessa espécie de resistir até um ano sem contato com água facilitou a sua rápida proliferação nesses navios e, por consequência, no território brasileiro. Cientificamente, essa espécie de mosquito foi descrita pela primeira vez em 1762, recebendo nome Culex aegypti (culex de "mosquito" e "aegypti" devido à sua origem: o Egito).
Em 1818, pesquisadores notaram que o mosquito apresentava características morfológicas e biológicas semelhantes às da espécie do gênero Aedes. Por isso, ele passou a ser chamado Aedes aegypti.
A seguir, acompanhe a linha do tempo da dengue:
Desde então, a dengue vem ocorrendo no Brasil de maneira contínua. A propósito, o Ministério da Saúde prevê um aumento de casos já no início de 2024. Tal previsão se deve a dois fatores: as mudanças climáticas e os efeitos do El Niño, que causam chuvas e calor acima da média.
Além disso, houve confirmação da circulação da dengue tipo 3, sobre a qual não havia registro de casos no país há 15 anos.
Em maio deste ano, a Fiocruz divulgou um estudo em que foi anunciada a identificação do sorotipo 3 do vírus da dengue no Brasil. Quatro casos foram notificados em Roraima, na região norte, e no Paraná, no sul do país.
Nesse estudo, foi realizada a caracterização genética dos casos de infecção pelo sorotipo 3 do vírus dengue. Isso configura um indicativo da possibilidade de voltarmos a ter uma nova epidemia nos próximos meses ou anos.
As análises apontaram que a linhagem detectada foi introduzida nas Américas a partir da Ásia, entre 2018 e 2020, provavelmente no Caribe. Também foi identificado que a linhagem detectada no sorotipo 3 não é a mesma que circulou nas Américas e provocou epidemias no Brasil no início dos anos 2000.
Os resultados mostraram que ocorreu uma nova introdução do genótipo III do sorotipo 3 do vírus da dengue nas Américas, originado na Ásia. Essa linhagem que circula na América Central e que, recentemente, infectou diversas pessoas nos Estados Unidos, já chegou ao Brasil.
De quatro casos analisados, três se referiam a casos autóctones de Roraima. Ou seja, eles correspondem a pacientes infectados no estado, pois não tinham histórico de viagem. Contudo, o caso no Paraná foi importado, já que foi diagnosticado em uma pessoa vinda do Suriname.
Não há transmissão da doença pelo contato entre pessoas doentes e saudáveis. Para transmitir o vírus, o mosquito da dengue infectado precisa se alimentar do sangue de uma pessoa doente. A contaminação é feita por meio da picada da fêmea do Aedes aegypti, que busca sangue para produzir seus ovos.
O vírus multiplica-se no intestino médio do vetor e segue infectando outros tecidos, atingindo as glândulas salivares. Uma vez infectado, o mosquito se torna transmissor de maneira permanente.
Após a picada do mosquito, começa o ciclo de replicação viral nas células lisas, estriadas, linfonodos locais e fibroblastos. Em seguida, ocorre a viremia, com a disseminação do vírus no organismo da pessoa.
Os primeiros sintomas como dor de cabeça, febre e mal-estar ocorrem após um período de incubação que pode variar de 2-10 dias. Como dissemos, uma vez infectada por um dos sorotipos do vírus, o indivíduo adquire imunidade para aquele sorotipo específico.
A dengue pode ser assintomática, ou ainda ter sintomas leves e até mesmo graves. A forma grave da doença pode levar o paciente a óbito, não devendo jamais ser negligenciada.
Veja, a seguir, alguns dos sintomas mais comuns da dengue:
É importante observar que podem ocorrer outros sintomas, indicando maior gravidade da doença. Assim, dores abdominais intensas e contínuas, dor ao tocar o abdome, sangramentos, vômitos persistentes, sede excessiva, boca seca, confusão mental, acúmulos de líquidos e dificuldade respiratória são considerados sinais de alerta.
O diagnóstico da dengue é realizado por meio da análise dos sintomas do paciente e realização de exames laboratoriais de sorologia, de biologia molecular, e de isolamento viral. Além disso, é possível fazer um teste rápido utilizado para triagem.
Em geral, considera-se um caso como suspeito de dengue quando a pessoa apresenta febre (com duração máxima de sete dias) acompanhada de ao menos dois sinais ou sintomas da dengue, como dor de cabeça e manchas no corpo. Também é importante considerar se a pessoa esteve em área de possível transmissão da doença nos últimos 15 dias.
O mosquito Aedes aegypti apresenta hábito diurno, sendo encontrado com mais frequência em ambientes urbanos e no interior dos domicílios. Para se proliferar ele precisa de água parada, uma vez que após a eclosão dos ovos, as larvas do mosquito se desenvolvem no meio aquático. Em geral, o tempo entre a eclosão do ovo e o alcance da fase adulta do mosquito, é de 10 dias.
Devido à necessidade de água para o ciclo de vida, o número de mosquitos aumenta nos meses chuvosos, elevando também os casos da doença.
Os principais fatores de risco para dengue se referem a locais com as seguintes características:
Por disso, as pessoas com piores condições socioeconômicas, que vivem em lugares com baixa qualidade ambiental, também podem ser mais suscetíveis em função da maior quantidade de criadouros do mosquito.
Quanto à suscetibilidade das pessoas, os fatores de risco incluem a idade e a etnia. Além disso, outras comorbidades e infecção secundária, podem influenciar na gravidade da doença. As crianças mais novas, por exemplo, podem ser mais suscetíveis e ter mais dificuldade para combater os vírus. Por consequência, elas apresentam maior risco de choque por dengue.
A dengue pode ser classificada em duas principais formas clínicas: a clássica (comum) e a hemorrágica, conforme comentamos a seguir.
Presença de sintomas clássicos da doença, como mal-estar, febre alta, dor no corpo, dor de cabeça, coceira e manchas na pele. Em geral, a doença dura uma semana.
Nessa forma clínica, pode-se observar sintomas semelhantes aos apresentados na dengue clássica. Contudo, há uma evolução rápida para quadros mais graves. Na febre hemorrágica da dengue, além das hemorragias, há um aumento no tamanho do fígado.
O corpo humano consegue combater a doença. Em geral, a cura da dengue ocorre de maneira espontânea após 10 dias. Nesse sentido, não existe um tratamento específico para dengue, sendo indicados medicamentos apenas para tratar os sintomas, como dor no corpo e febre.
No entanto, algumas medidas são recomendadas para pacientes que apresentam a doença. Entre as principais recomendações se encontram a hidratação e o repouso.
Segundo dados do governo, até novembro de 2023, o país já havia registrado mais de 1,6 milhão de casos com suspeitas de dengue, representando 22,7% a mais do que o identificado no mesmo período em 2022.
Para conter a proliferação do mosquito Aedes aegypti será instalada uma Sala Nacional de Arboviroses para monitoramento em tempo real de locais com maior índice de casos de dengue, além da chikungunya e da zika.
O centro de monitoramento realizará o planejamento, a organização e coordenação para controle das medidas, articulando-as com gestores estaduais e municipais do SUS. Também será responsável pela divulgação do status epidemiológico e assistência.
Além dessas medidas que deverão ser adotadas, a dengue pode ser evitada por meio de vacinas, conforme comentamos a seguir.
Atualmente, há duas vacinas para combater a dengue no Brasil, a Dengvaxia® (Sanofi) e a QDenga® (Takeda). Elas foram elaboradas com o vírus da dengue atenuado. Isso significa que elas usam o microrganismo vivo, mas bem enfraquecido a ponto de não conseguir causar a doença.
Elas foram criadas para prevenir a infecção causada pelos quatro sorotipos do vírus: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Nos ensaios clínicos, essas vacinas apresentaram eficácia variável, conforme o sorotipo viral, idade da pessoa vacinada e status sorológico no começo do esquema vacinal, conforme mostramos a seguir.
A vacina QDenga é o primeiro imunizante aprovado no Brasil para as pessoas que nunca entraram em contato com o vírus da dengue. Mas também pode ser aplicado em quem já teve a doença.
Ela foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março de 2023 e disponibilizada apenas em clínicas particulares. Contudo, já está sendo estudada para ser incorporada ao Programa Nacional de Vacinação do SUS.
Segundo o Ministério da Saúde, a avaliação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), identificou uma eficácia geral de redução da hospitalização em 84% dos casos de dengue. Os estudos sobre segurança e eficácia, até o momento, só contemplam o público de 4 a 60 anos.
Nos EUA, a vacina já está liberada para pessoas acima de 60 anos, mas no Brasil ainda não. Essa limitação de idade se deve à falta de estudos robustos com pacientes idosos.
As vacinas utilizam a tecnologia de DNA recombinante, com a qual os genes dos diversos sorotipos do vírus da dengue são inseridos na estrutura genética de um vírus atenuado.
A principal diferença entre as vacinas se encontra no vírus atenuado usado como estrutura genética. Isso porque a Dengvaxia utiliza o vírus vacinal da febre-amarela. Já a QDenga® utiliza o próprio DENV-2 atenuado.
Além do vírus atenuado, a vacina Dengvaxia® apresenta em sua composição:
A vacina QDenga®, além do vírus atenuado, contém:
O diluente de ambas as vacinas é composto por cloreto de sódio e água para os injetáveis e nenhuma delas apresenta conservantes ou adjuvantes.
A Dengvaxia® é indicada para crianças a partir de 6 anos, adolescentes e adultos até 45 anos. Essa vacina é recomendada somente para as pessoas previamente infectadas por um dos vírus da dengue, ou seja, soropositivas.
A vacina QDenga® é indicada para crianças a partir de 4 anos, adolescentes e adultos até 60 anos, tanto para os soronegativos quanto para os soropositivos para dengue.
As vacinas são contraindicadas para as pessoas que apresentam as seguintes condições:
Aqui, é importante lembrar e frisar que a vacina Dengvaxia® é contraindicada para aquelas pessoas que não tiveram contato prévio com o vírus da dengue, ou seja, soronegativas.
Para a vacina Dengvaxia® o esquema é três doses, com intervalo de seis meses. Já para QDenga® são duas doses, com intervalo de três meses. A aplicação de ambas é de maneira subcutânea.
A seguir, veja os cuidados necessários relacionados à vacinação:
Como qualquer medicamento, as vacinas podem apresentar efeitos adversos. Os mais relatados foram: dor de cabeça, dor no local da injeção, mal-estar e mialgia.
Em geral, esses efeitos são de gravidade leve a moderada e de curta duração (até três dias), mais frequentes após a primeira dose. Em decorrência de viremia pelo vírus vacinal, é possível ocorrer febre de início tardio (até 30 dias após a vacinação).
Outras reações adversas podem ser:
O papel dos médicos no combate à dengue é muito importante. Isso porque eles podem atuar de diversas maneiras para ajudar no controle da doença, por meio de ações como:
Assim como ocorre com a epidemia do vírus da febre-amarela, o papel do médico é essencial em todos os momentos da doença e até mesmo em ações para a prevenção.
Nesse sentido, é importante considerar a influência da figura do médico no comportamento social das pessoas em relação à higiene para combater a dengue. Isso porque, como sabemos, para evitar a transmissão da doença é preciso cuidar inibindo a proliferação do mosquito.
Essas formas de prevenção já são conhecidas pela população, mas é importante sempre frisar e relembrar para ações, como:
Como vimos, a dengue continua ameaçando a saúde dos brasileiros
Por isso, é importante considerar que os médicos podem oferecer atendimento seguro e eficiente aos pacientes se tiverem conhecimento atualizado sobre o tratamento, a prevenção e o combate à doença.
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