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Síndrome pós-COVID-19: quais os desafios nos cuidados nutricionais?

Síndrome pós-COVID-19: quais os desafios nos cuidados nutricionais?

A infecção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 atingiu proporções pandêmicas, com um número de mortes muito alto em todo o mundo. Apesar dos árduos esforços da comunidade científica no enfrentamento dessa doença em sua fase aguda, bem como na prevenção por meio do desenvolvimento de vacinas, resta outro importante ponto de atenção: compreender e tratar a persistência dos sintomas além da fase aguda, a chamada síndrome pós-COVID-19.

Síndrome pós-COVID-19 e desnutrição  

A fase aguda da infecção é dada com o início da infecção até 4 semanas de evolução. Já a síndrome pós-COVID-19 é caracterizada quando os sinais e sintomas se desenvolvem durante ou após uma infecção compatível com COVID-19, porém continuam por mais de 12 semanas, não podendo ser explicados por meio de um diagnóstico alternativo.    

Do ponto de vista nutricional, o coronavírus apresenta efeito no paladar do paciente, além de causar anosmia, ageusia, diarreia, odinofagia e anorexia. Assim, os pacientes com COVID-19 estão particularmente em risco de subnutrição. Não surpreendentemente, sabe-se que quanto mais grave a doença, conforme refletido pelo número de dias passados na Unidade de Terapia Intensiva, maior a perda de peso.   

Estudos mostram que os pacientes recuperaram apenas metade de sua perda de peso dentro de um mês após a alta hospitalar, apesar de sua ingestão alimentar voltar ao normal. Além disso, esses pacientes demonstraram uma perda substancial de massa muscular e alteração da microbiota intestinal, sinais que podem afetar ainda mais o estado nutricional.   

Dessa forma, a nutrição pode desempenhar um papel fundamental no manejo da síndrome pós-COVID-19 e vários compostos dietéticos podem ter efeitos pleiotrópicos em diferentes alvos, contribuindo assim para aliviar os sintomas e promover o bem-estar físico e psicológico dos pacientes.

O objetivo da terapia nutricional na síndrome pós-COVID-19 deve se concentrar na recuperação adequada em termos de condições físicas e funcionais, bem como de saúde mental, podendo ser pautada em quatro pilares descritos na sequência: restauração da massa muscular, composição da microbiota intestinal, síndrome de fadiga pós-COVID-19 e bem-estar psicológico.

 

Restauração da massa muscular  

O rastreamento ágil e precoce da perda de massa muscular é essencial para direcionar a melhor conduta nutricional. A ferramenta amplamente utilizada para avaliar a força muscular total e o estado nutricional geral é a força de preensão manual (FPM), por meio do dinamômetro. A perda de massa e função do músculo esquelético nos pacientes com COVID-19 está relacionada a uma baixa FPM, o que pode ser um bom preditor para identificar o risco de subnutrição.     

Além disto, o questionário SARC-F (simple questionnaire to rapidly diagnose sarcopenia), o qual conta com cinco elementos para avaliar a força e função muscular (força, capacidade de andar, levantar-se de uma cadeira, subir escadas e números de quedas), mostrou-se um instrumento com especificidade moderada-alta para identificar com precisão a sarcopenia em idosos.

Sabe-se que a sarcopenia aguda ocorre durante o COVID-19, especialmente em pacientes mais velhos, com implicações diretas na função e recuperação pós-COVID-19. Dito isso, a terapia nutricional para restaurar a massa muscular é um aspecto importante no manejo da síndrome pós-COVID-19.   

Uma revisão guarda-chuva, realizada pela Sociedade Belga de Gerontologia e Geriatria com a população idosa, mostrou que a suplementação de β-hidroxi-β-metilbutirato (HMB) ou creatina foi eficaz em melhorar a massa muscular, força muscular e desempenho físico desses indivíduos, assim como o uso de leucina, um aminoácido essencial.   

Esta intervenção, seja com suplementos alimentares ou por meio de uma alimentação equilibrada, pode aplicar-se também para a recuperação da massa muscular em pacientes com síndrome-COVID-19, favorecendo assim uma recuperação física mais rápida.

 

Composição da microbiota intestinal  

A disbiose intestinal é caracterizada por um desequilíbrio nos microrganismos intestinais habituais, induzindo proliferação de outros que são prejudiciais à saúde, podendo levar a sérios problemas como: doenças inflamatórias intestinais, câncer colorretal, diabetes tipo 2 e doença cardiovascular. Pode-se dizer também que o intestino se comunica com o cérebro usando vias de sinalização neurais, inflamatórias e hormonais, influenciando assim o bem-estar psicológico.     

Pacientes com COVID-19 apresentaram alterações na composição da microbiota intestinal, principalmente no contexto do uso de antibióticos. Tal fato pode ter consequências de curto e longo prazo para o bem-estar físico e psicológico, incluindo a recuperação e a ocorrência / gravidade da síndrome pós-COVID-19.    

Estudos mostraram que gorduras, carboidratos não digeríveis (fibras dietéticas), probióticos e polifenóis induzem mudanças na composição da microbiota intestinal. Nesse sentido, uma dieta rica em gordura tem impacto negativo, uma vez que reduz a população de Lactobacilos, os quais são conhecidos por estarem associados a um estado metabólico saudável.

Em contrapartida, os carboidratos não digeríveis servem de alimento para as bifidobactérias, pertencentes ao gênero Bifidobacterium, as quais fortalecem o sistema imune e suprimem uma classe de bactéria patogênica, a Clostridia.   

O uso de probióticos e polifenóis também induzem mudanças saudáveis na microbiota intestinal. Portanto, uma dieta balanceada contendo compostos dietéticos que suportem uma microbiota saudável, como uma alimentação rica em fibras alimentares, ajudará a promover o bem-estar físico e psicológico entre os pacientes com síndrome pós-COVID-19.

 

Síndrome de fadiga pós-COVID-19

Estudos recentes mostraram que uma proporção significativa de pacientes com COVID-19 sofre de uma síndrome de fadiga pós-COVID-19 prolongada, com sintomas semelhantes à síndrome da fadiga crônica (SFC). A fisiopatologia é complexa, envolvendo disfunção autonômica, distúrbios endócrinos e transtornos de humor reativos (ex: depressão ou ansiedade), combinados com predisposições genéticas, ambientais e socioeconômicas.    

Atualmente, não há evidências de alta qualidade suficientes para apoiar diretamente o uso de suplementos nutricionais e dietas modificadas para aliviar os sintomas em pacientes com síndrome de fadiga pós-COVID. No entanto, evidências apoiam que a deficiência de alguns nutrientes (vitamina C, vitaminas do complexo B, sódio, magnésio, zinco, ácido fólico, l-carnitina, triptofano, ácidos graxos essenciais e coenzima Q10) são relacionadas a maior gravidade e progressão dos sintomas da SFC, pelo aumento do estresse oxidativo.   

Logo, o uso de suplementos nutricionais adequados, incluindo ácidos graxos essenciais e antioxidantes, ou seu consumo na forma de uma dieta saudável e equilibrada, podem ajudar no controle e alívio da síndrome da fadiga pós-COVID-19.

 

Nutrientes e o bem-estar psicológico

A associação entre nutrição e bem-estar psicológico tem ganhado cada vez mais atenção nos últimos anos. Estudos epidemiológicos mostraram um risco reduzido de depressão associado à alta ingestão de frutas e vegetais. Além disso, a exposição experimental de voluntários saudáveis a dietas com alto índice glicêmico mostrou aumentar a ocorrência de sintomas depressivos.    

Estudos também mostraram que a dieta mediterrânea pode reduzir marcadores de inflamação, enquanto a alta ingestão de gorduras saturadas e trans, além de carboidratos refinados, pode resultar em declínio cognitivo e disfunção do hipocampo, levando ao prejuízo do bem-estar psicológico.    

Notavelmente, foi demonstrado que dietas ricas em ácidos graxos ômega-3 regulam positivamente os genes envolvidos na manutenção da função sináptica e plasticidade em animais, e melhoram o funcionamento cognitivo em humanos. Além disso, a deficiência de ácidos graxos ômega-3 está associada a um risco aumentado de desenvolver vários distúrbios psiquiátricos e são importantes para a manutenção do bem-estar psicológico.  

Dessa maneira, é evidente que uma dieta globalmente saudável, rica em frutas, vegetais e constituintes de compostos bioativos, como ácidos graxos ômega-3, além de baixa ingestão de gorduras trans e carboidratos refinados, pode melhorar o bem-estar psicológico e, portanto, pode desempenhar um papel na recuperação da síndrome pós-COVID-19.

 

Conclusão

A perda de massa muscular, combinada com a baixa ingestão, devido à fragilidade, alterações de paladar, olfato e da microbiota intestinal, levam a uma alta prevalência de subnutrição. Profissionais da saúde podem desempenhar um papel crucial, tanto no diagnóstico precoce da síndrome pós-COVID-19, quanto no acompanhamento dos pacientes para melhorar os resultados.

A recomendação de uma alimentação balanceada, composta de alimentos in natura, rica em frutas, vegetais, oleaginosas e azeite extra-virgem, mostra-se como uma forte aliada no cuidado nutricional desses pacientes.

Autor

Larissa Angéloco Lourenço

Graduação em Nutrição pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP)

Especialização em Nutrição pelo HCFMRP/USP

Doutorado Direto em Ciências Médicas pela FMRP/USP com período na Vanderbilt University em Nashville/Tennessee

Docente do Curso de Nutrição e Metabolismo da FMRP/USP

Professora orientadora da Liga Acadêmica de Sustentabilidade e Alimentação Coletiva.

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