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4.10.2022
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Equipe Afya Educação Médica
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Em mais um texto da Série Comunicação Médica, vamos entender a importância da comunicação e criação de vínculos na prática médica.
Quando pensamos nos métodos ortodoxos de ensino médico, nos vem à mente o modelo tradicional de educação, onde aprendemos por anos sobre as doenças, suas definições, fisiopatologia, achados do exame físico, diagnóstico e tratamento. Partindo dessas premissas, enquadramos nossos pacientes em “caixas diagnósticas”.
Porém, com o entendimento da complexidade do paciente veio a necessidade (e o entendimento) de que “caixas” são muito pouco para guardar a essência do que são os nossos pacientes.
Foi pensando em melhorar esse modelo tradicional, aliando-o às ferramentas de comunicação efetiva e relações interpessoais, que foi apresentado em 1996 o guia Calgary-Cambridge, que foi modificado em 2003 pelos seus autores originais.
A premissa básica deste método é o respeito, que possibilita aumentar a capacidade do médico de obter informações e interagir adequadamente com o paciente. Além disso, o paciente entende melhor o que lhe é reportado pelo médico, e é capaz de seguir as orientações através de um modelo estruturado de consulta médica.
A estrutura desse modelo se dá em cinco etapas sequenciais (enumeradas neste texto de 1 a 5) e duas etapas concorrentes (identificadas como A e B) que permitem a construção de um vínculo entre médico e paciente.
Antes de iniciar o atendimento, o médico deve se preparar para receber o paciente: deverá atender às suas necessidades pessoais, como ir ao banheiro, responder mensagens ou ligações importantes; desligar-se da última consulta realizada com outro paciente ou situação vivida; e concentrar seu foco total no próximo paciente.
Estruture sua entrevista de maneira lógica, com tempo de atendimento determinado e não perca o foco na consulta. Sempre confirme que você foi entendido pelo paciente e que o paciente entendeu o que foi dito por você. Avise ao paciente sobre os próximos passos da consulta.
Atenção aos sinais que você manda para o seu paciente. Faça contato visual, evite expressões faciais que denotam julgamento, mantenha a postura e posicionamento adequados frente ao paciente. Module a voz de acordo com o andamento da consulta (exemplo: utilize uma voz calma e apaziguadora quando o paciente demonstrar tensão ou nervosismo). Tome notas escritas sem atrapalhar o relato do paciente.
Seja sensível às dores dos pacientes, tanto emocionais quanto físicas, e se importe verdadeiramente com o que ele sente. Compartilhe pensamentos com o seu paciente sempre que achar necessário de modo a encorajá-lo, facilitar a abertura ou mesmo aumentar o vínculo entre vocês.
Estabeleça um vínculo inicial com o seu paciente, cumprimente-o, apresente-se e aprenda o seu nome, demonstrando interesse e respeito e deixando-o o mais confortável possível. Após, verifique as razões da consulta por meio de uma pergunta aberta (ex: “O que posso fazer por você? O que o trouxe até essa consulta? Como a senhora está?”).
Nesse diálogo inicial os médicos geralmente esperam 18 segundos antes de realizar a primeira interrupção. Mude isso: ouça seu paciente atentamente, não o interrompa por ao menos dois minutos, foque nas queixas e preocupações que serão apresentadas pelo seu paciente.
Quando for necessário questionar o paciente, utilize questões abertas (ex: “Fale mais sobre isso…”). Anote as queixas principais e confira com o paciente se esses são, de fato, os problemas que vocês dedicarão esforços para resolver.
A partir da lista de queixas do paciente definida em conjunto na primeira parte da consulta, iremos determinar uma lista de problemas, que leva em conta as perspectivas médicas e do paciente. Nessa etapa, a escuta ativa é fundamental. Devemos equilibrar o uso de perguntas abertas e fechadas, de modo a transformar as queixas iniciais do paciente em uma lista de problemas estruturados.
Utilize linguagem clara, garanta sempre que o paciente está sendo ouvido e confirme se você entendeu o que ele lhe disse.
Periodicamente o médico deve fazer um resumo do andamento da conversa, pedindo que o paciente o corrija em caso de interpretação errônea. A todo o tempo o paciente deverá ser um construtor tão participativo quanto o médico no processo da consulta médica.
Estabeleça datas e uma sequência de eventos tornando a história clínica mais fluida.
A partir da lista de problemas elaborada no segundo passo devemos solicitar permissão ao paciente para examiná-lo. As variações na forma do exame físico são marcantes de escola para escola, entretanto, devemos ter uma abordagem que valorize a avaliação dos principais órgãos e sistemas, além de valorizar os itens do exame físico que são mais diretamente relacionados aos problemas elencados na lista, de modo a auxiliar no raciocínio clínico.
A explicação dos problemas e hipóteses diagnósticas talvez seja a parte mais importante na formação do vínculo entre médico e paciente, pois a maioria dos pacientes não possui informações fundamentais sobre a sua condição clínica. A ideia é dar a quantidade de informação adequada a cada paciente e garantir o seu entendimento, fazendo uso de todos os tipos de estratégias que facilitem a compreensão (ex: uso de dados, analogia, sequência lógica, desenhos, diagramas…).
Quando o paciente entende o seu problema médico, o próximo passo é planejar quais ações serão tomadas em relação a isso. A decisão deve ser compartilhada e o médico deve incluir possíveis resultados e desfechos de curto e longo prazos, de modo que o paciente se comprometa com as orientações e propostas de tratamento. É nessa fase que complicações e desfechos inesperados deverão ser abordados, bem como o modo que o paciente e o médico deverão reagir perante sua ocorrência. Reforce quando, como e onde o paciente deve procurar ajuda.
Confira com o seu paciente se os planos são aceitáveis e se suas preocupações foram abordadas na consulta.
Nesse momento, confirme o plano de cuidados traçado por vocês, estabeleça os próximos passos, o plano reserva, e firme um contrato com o seu paciente. É nesse momento que você deve conferir pela última vez se você e o seu paciente estão se entendendo.
O guia Calgary-Cambridge sintetiza por meio de habilidades como devemos proceder em relação à abordagem durante a consulta médica. Após a sua modificação em 2003, este modelo passou a se apresentar de modo mais fluido, facilitando a improvisação e modos de uso, porém sua ideia central permanece: o relacionamento entre médico e paciente deve se basear em respeito mútuo e troca eficaz de informações.
Cabe a nós, médicos, garantir que o paciente se sinta bem em nossa presença, que sejamos aliados no combate às suas preocupações, inquietações e não só das suas doenças. O holofote do nosso trabalho deve ser colocado sobre a pessoa que tem a doença, já que a doença não deve nunca ter uma pessoa.
Rafael Horácio Lisbôa
Médico formado pela Faciplac, Gama-DF ⦁ Residência em Clínica Médica pelo Hospital de Base do Distrito Federal ⦁ Rotineiro e Líder assistencial da Savie na enfermaria de Clínica Médica do Hospital Santa Helena, Rede D’Or, Brasília-DF ⦁ Plantonista do Centro Neurocardiovascular, Instituto Hospital de Base do Distrito Federal.
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