Medicina baseada em evidências: vantagens e desafios

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A Medicina baseada em evidências é um processo metodológico rigoroso que traz resultados mais confiáveis aos profissionais de saúde e tomadores de decisão, principalmente gestores clínicos e administrativos.

Isso porque o panorama atual da Medicina é repleto de tecnologias em saúde que geram um enorme volume de inovações e também de informações, que, se não forem bem geridas, podem acarretar em dúvidas e incertezas nos profissionais de saúde e gestores.

Da mesma forma que o número cada vez maior de medicamentos, materiais médicos, equipamentos e softwares lançados no mercado pode trazer esperanças para diagnóstico e tratamento das doenças, pode também acabar não gerando efeito nenhum, ou pior, dificultar a prestação da assistência.

Para que isso não ocorra, é fundamental entender os princípios da Medicina baseada em evidências e qual é a sua aplicabilidade. Ficou curioso sobre o assunto? Então, acompanhe e saiba mais!

Afinal, o que é Medicina baseada em evidências?

O que se entende por Medicina baseada em evidências são aquelas informações e dados obtidos de estudos clínicos experimentais e observacionais com qualidade metodológica eficaz para se obter o resultado mais plausível.

A evidência na Medicina é algo que pode mudar completamente o diagnóstico, tratamento e prognóstico do paciente, por isso deve ser bem respaldada por meio de estudos robustos.

Diante do volume de informações clínicas e tecnológicas divulgado atualmente fica difícil se atualizar sobre as principais novidades. O problema também se intensifica quando é preciso filtrar as publicações de qualidade metodológica confiável.

Então, além da quantidade de dados clínicos veiculada rotineiramente, é preciso estabelecer métodos precisos para avaliar um trabalho científico e, com isso, analisar a aplicabilidade nos contextos das instituições de saúde.

Como funciona a Medicina baseada em evidências?

Para se trabalhar na Medicina baseada em evidências é preciso seguir algumas etapas de forma cronológica e metódica, controlar e registrar os processos e compilar os principais resultados para se chegar a uma conclusão.

Sendo assim, existem dois lados da Medicina baseada em evidências: aquela parte dos profissionais que se dedicam aos estudos clínicos e a outra que se debruça em analisar criticamente os resultados e trazer para sua prática clínica.

Veja a seguir as principais etapas do processo relacionadas à elaboração dos estudos clínicos.

Elaboração de uma pergunta de pesquisa

O primeiro passo para implantar a Medicina baseada em evidências é a formulação de uma pergunta de pesquisa com interesse clínico, que normalmente deve ser objetiva e contemplar o tipo de paciente ou doença, a intervenção a ser estudada, e os principais desfechos.

Dessa forma, a pergunta de pesquisa deve seguir o acrônimo PICO (paciente, intervenção, controle/comparador, outcome que, traduzindo para o português, significa “desfecho”). Para o comparador é possível ser outra tecnologia ou nenhuma possibilidade.

Importante destacar que existem outras variações para o acrônimo PICO, como o PECO (em que o E significa exposição, mantendo as demais variáveis), PIROS (quando o I significa teste índice), entre outras possibilidades.

Então, a partir de uma pergunta de pesquisa é possível determinar quais resultados o pesquisador e profissional de saúde pretende buscar na literatura científica e clínica conforme a demanda.

Nesse sentido, o tipo de paciente pode ser crianças, recém-nascidos, idosos, adultos, pacientes com determinada doença, gestantes, lactentes etc. As intervenções são as variáveis de interesse e o desfecho é aquilo que se pretende mensurar.

Portanto, a estrutura da pergunta de pesquisa seria genericamente: os pacientes com doença X, que receberam a tecnologia (medicamento) Y, quando comparados àqueles que receberam a tecnologia W, são mais propensos a desenvolver o efeito P?

Escolha do tipo de estudo mais adequado à pergunta

Após a definição da pergunta de pesquisa é fundamental conhecer os principais desenhos epidemiológicos para apurar as respostas desejadas. Nesses casos, existem dois tipos principais: estudos experimentais e estudos observacionais.

Os estudos experimentais são aqueles em que há interferência do pesquisador e são representados basicamente pelos ensaios clínicos. Nesse tipo de estudo existe um grupo de pacientes que receberam o placebo (produto inerte) ou tecnologia já existente no mercado — grupo controle — e outro grupo que receberá o produto de interesse.

Os resultados obtidos pelos estudos experimentais são aqueles referentes à eficácia de um efeito ou à segurança na administração da tecnologia de interesse. Portanto, todo o processo deve ser cegado, de forma que nem o paciente, nem o pesquisador e nem analistas saibam os detalhes da pesquisa antes do final do estudo.

O cegamento é importante para evitar viés ou tendenciosidade da equipe ou mesmo para evitar conclusões precipitadas sobre um processo e não trazer consequências éticas ao estudo a ser analisado.

Já os estudos observacionais são aqueles em que não existe interferência do pesquisador, que colhe os dados ao longo do tempo e faz as principais deduções e análises a partir das variáveis estudadas.

Um exemplo clássico desse tipo de estudo foi o de Framingham que analisou durante décadas pacientes adultos e os resultados mostraram os fatores de riscos para desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Portanto, ao elaborar a pergunta de pesquisa é crucial que o pesquisador já saiba qual tipo de desenho epidemiológico seria o mais adequado para obter as respostas de interesse e quais são as implicações dessa escolha.

Busca pelas bases de dados clínicas e científicas

A quantidade de estudos clínicos publicados periodicamente em revistas clínicas e científicas é gigantesca sendo impossível acompanhar todas elas para se atualizar sobre determinado assunto.

Felizmente, foram criadas as bases de dados nacionais e internacionais que integram as informações publicadas em revistas científicas de impacto e que são indexadas nesses repositórios.

Sendo assim, mediante as informações coletadas a partir da pergunta de pesquisa já elaborada, o próximo passo é buscar as principais publicações de interesse, considerando as bases de dados mais utilizadas, os descritores e a forma de relacioná-los.

As principais bases de dados são a Medline (via Pubmed), LiLACS, Central, Google acadêmico, que são mais gerais. Além dessas bases de dados, pode-se obter informações nas plataformas de estudos clínicos, como o Clinical Trials, para obter resultados mais específicos sobre a temática estudada.

Para utilizar essas bases de dados é preciso expertise e conhecimentos dos descritores, que são como palavras-chave que se conectarão aos termos de interesse, como o nome da doença e o tipo de paciente.

Existem diversos tutoriais na internet de como fazer busca da pergunta clínica a partir das bases de dados mencionadas. Depois é preciso compilar todas e excluir as publicações que aparecerem de forma repetida.

Seleção das publicações conforme pergunta de pesquisa

Retirando as publicações repetidas, agora é o momento de separar aquelas que realmente respondem à pergunta de pesquisa previamente elaborada. A partir de uma olhada rápida e objetiva no título e resumo é possível excluir quase 70% do que foi recuperado.

Por isso que quanto mais objetiva for a pergunta de pesquisa, maior é a chance de encontrar publicações relevantes. Por outro lado, quando o assunto é pouco explorado ou existem poucas publicações é preciso pensar em perguntas mais amplas.

Para garantir a idoneidade dessa etapa, recomenda-se que a análise do título e resumo sejam realizadas por duas pessoas (análise por pares) para que, logo em seguida, seja feito um consenso sobre quais artigos permanecerão para leitura completa.

Caso haja discordância entre as duas pessoas, um terceiro indivíduo será recrutado para dirimir as dúvidas. Ressalta-se que todo esse processo deve ser registrado para eventuais questionamentos.

Existem softwares que podem ser baixados gratuitamente ou utilizados na versão web, além de aplicativos pagos, que registram todas as etapas, desde a elaboração da pergunta até o compilado dos resultados.

Nas publicações selecionadas para leitura completa será feita uma avaliação detalhada dos métodos e dos resultados encontrados para verificar se respondem à pergunta anteriormente elaborada.

Análise da qualidade metodológica dos artigos selecionados

A análise do método empregado em cada publicação é crucial para demonstrar a viabilidade da evidência utilizada. Nesse ponto, conhecer os desenhos epidemiológicos e suas características é fundamental.

Aqui cabe mais uma reflexão quanto à análise dos métodos empregados nos estudos lidos na íntegra. O número de pacientes, a forma de condução do estudo clínico ou experimental, o controle das variáveis de interesse e a análise estatística empregada.

Todos esses parâmetros serão mensurados por meio de checklists existentes para levantar o número de vieses/tendenciosidades e quanto isso impacta nos desfechos encontrados pelos pesquisadores.

Estudos clínicos realizados com poucos pacientes (geralmente menos de 50) para avaliar doenças crônicas e prevalentes devem ser rejeitados, ao passo que esse número é suficiente quando se pesquisa pacientes com doenças raras.

Dessa forma, é importante que, ao longo do processo, o pesquisador tenha experiência para fazer essa avaliação a partir dos critérios já consolidados para estudos clínicos, experimentais e de acurácia diagnóstica.

A qualidade do método empregado no estudo a ser avaliado pode elevar o nível de evidência na Medicina ou rebaixá-lo completamente, sugerindo que os resultados encontrados são bastante duvidosos.

Compilado dos resultados encontrados a partir das publicações

Se o processo chegou até aqui de forma controlada e registrada, é possível compilar os principais resultados encontrados, considerando também os vieses que foram levantados nos artigos.

O compilado dos resultados permite verificar se determinada intervenção realmente modifica os parâmetros da doença em análise, aumentando as chances de sobrevida, reduzindo os efeitos adversos, entre outras possibilidades de desfechos.

Ao final dessa jornada, que pode durar entre 6 meses e 1 ano, é possível concluir pela utilização dessa intervenção ou refutar a viabilidade de utilização no contexto clínico relacionado à pergunta da pesquisa.

Se os resultados forem promissores e a tecnologia já estiver disponível para outras condições clínicas é mais fácil implantá-la, caso contrário verifica-se em quanto tempo e qual o custo para que esse projeto possa ser implementado.

Esse compilado é o resumo de todas as etapas anteriores e trará a conclusão sobre a possibilidade de utilização da tecnologia, as vantagens e desvantagens em relação aos produtos existentes no mercado, entre outros achados.

Ao final dessa jornada, quando bem registrada e controlada, o pesquisador e seus colaboradores realizaram uma revisão sistemática, que possui um alto nível de evidência na escala de resultados.

Isso significa que as etapas foram cumpridas com sucesso e, na perspectiva do pesquisador, o trabalho foi finalizado. Agora é o momento de avaliar o custo financeiro e a viabilidade de utilização.

Análise econômica da tecnologia avaliada

Estudos científicos e clínicos normalmente avaliam os critérios de eficácia, efetividade, segurança e conveniência sobre uma condição clínica, um método diagnóstico ou os fatores de risco.

Porém, é fundamental levantar os custos em curto, médio e longo prazo, tanto para os serviços públicos quanto para os privados, de forma a embasar economicamente a incorporação dessa tecnologia.

Para tanto, a partir dos dados farmacológicos relacionados, a frequência de administração, duração do tratamento, condições clínicas e logísticas para utilizá-lo, além do custo unitário, é possível elaborar o impacto orçamentário.

Diante dessa análise, os tomadores de decisão optarão pela utilização dessa tecnologia no contexto, pois os recursos financeiros são limitados e devem ser compatibilizados com todas as demandas existentes.

Tecnologias com custo elevado geralmente são implantadas nos sistemas de saúde mediante acordo de compartilhamento de risco com o fabricante. Assim, se o resultado clínico não for o previamente encontrado, o contrato será desfeito.

Nesse sentido, a Medicina baseada em evidência ou no termo mais abrangente “saúde baseada em evidência” deve levar em consideração os efeitos clínicos encontrados e os custos para sua viabilidade nos sistemas de saúde.

O que se pode concluir sobre a Medicina baseada em evidências?

Do ponto de vista do pesquisador é importante executar todas as etapas de forma metódica, objetiva e viável. Para os profissionais e tomadores de decisão, o que resta saber é o compilado do processo.

Dessa forma, enquanto o pesquisador realiza a revisão sistemática, o profissional que está nas instituições de saúde deve seguir as recomendações mais atuais a partir desses resultados publicados.

Enquanto isso, a evidência em Medicina deve ser analisada também do ponto de vista econômico para que os tomadores de decisão, na maioria das vezes os gestores, saibam como gerenciar os recursos financeiros disponíveis.

Portanto, quando se toma decisões a partir de revisões sistemáticas e da avaliação do impacto orçamentário, elas tendem a ser mais assertivas em relação às intervenções sem embasamento.

Do ponto de vista do paciente, quando os profissionais de saúde se atualizam por meio de estudos realizados com metodologia científica, as condutas exercidas são mais efetivas, seguras e mais convenientes.

O valor do método científico na prática!

A Medicina baseada em evidências é um processo longo, demorado, objetivo e respaldado clinica e cientificamente por pesquisadores, profissionais de saúde, gestores e demais interessados. Quando as etapas são executadas corretamente, resultando no compilado de resultados, os benefícios para o paciente e para o sistema de saúde são notórios e com menos riscos.

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