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3.6.2020
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Equipe Afya Educação Médica
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A prática cotidiana da medicina envolve fundamentalmente relações humanas, sejam elas entre o time profissional envolvido no cuidado de saúde, sejam entre pacientes e seus familiares. Em ambientes assim, muitas situações podem colocar o médico em conflitos, alguns deles mais sérios, que envolvem a própria ética profissional.
O Código de Ética Médica mostra uma série de deveres e proibições que envolvem a relação médico-paciente no dia a dia do seu trabalho. O texto trata sobre temas como autoprescrição, atendimento de familiares e amigos, limites do vínculo médico-paciente, direitos, além de trazer questões que envolvem a renúncia do atendimento.
Como já mostramos aqui no blog, a telemedicina deixou de ser um assunto tabu quando diversas modalidades de teleatendimento foram autorizadas pelo Conselho Federal de Medicina. Embora ainda careça de regulamentação exclusiva, durante a pandemia do Coronavírus esse tipo de atendimento remoto se tornou uma opção cada vez mais utilizada para possibilitar o rápido acesso da população a serviços de saúde e ainda manter o distanciamento social, medida considerada pela OMS como a mais importante na contenção do vírus pelo mundo.
Imagine a situação: um amigo querido do trabalho se queixa de problemas para dormir, o que tem atrapalhado seu trabalho no hospital. Você, um psiquiatra com anos de experiência e com ótima relação com o amigo, faz a leitura do seu quadro e entende rapidamente de que se trata de episódio de insônia causado pelo estresse do ambiente profissional. Consegue, inclusive, identificar que o medicamento Zolpidem poderia ter um ótimo resultado para o sono do amigo. O que fazer diante dessa situação?
O Código de Ética Médica estabelece que é proibido ao médico prescrever qualquer tipo de medicamento controlado ou entorpecente a amigos e familiares, logo, a decisão ética a ser tomada seria não prescrever o medicamento. A insônia, embora esteja associada ao estresse do trabalho, pode ter uma causa mais profunda e séria, indicando problemas mais graves que só podem ser identificados e tratados por profissional especialista e isento.
O médico, contudo, pode indicar um profissional de sua confiança para que o amigo se consulte devidamente e obtenha tratamento para seu quadro de insônia. A exceção para essa regra só vale para casos de urgência. A regra é diferente para medicamentos não-controlados. Médicos podem prescrever drogas não-controladas para dependentes e amigos, desde que elas não representem riscos para a saúde da pessoa.
O médico que está com algum problema de saúde leve, de fácil identificação, pode sim autoprescrever drogas. Isso não significa que essa seja a melhor opção, pois a automedicação é um risco para o próprio médico.
Um médico cardiologista, por exemplo, com algum sintoma de dores musculares, sabe quais medicamentos podem aliviar os sintomas. Contudo, a persistência das dores pode indicar algum problema mais grave. Por exemplo, ele poderia descobrir, após meses, uma lesão séria na coluna vertebral que foi mascarada pelo uso constante de analgésicos.
A automedicação do profissional da medicina, quando associada com estresse e demais problemas psicológicos, pode inclusive levar ao uso abusivo de medicamentos e até a dependência química. É recomendado que ele se consulte previamente com algum profissional de sua confiança, de modo que exista isenção na avaliação médica e a devida prescrição do medicamento e tratamento.
Quando o médico tem algum conflito relacionado ao atendimento do paciente e sua família ele pode se recusar a continuar o atendimento ou tratamento. Isso pode acontecer por muitos motivos, como quando um paciente já chega ao consultório com um diagnóstico pronto, por exemplo. Ou quando o indivíduo atribui a culpa do problema de saúde ao médico por não saber lidar com a situação. Pode acontecer até mesmo quando as recomendações médicas são desobedecidas e o profissional se sente desconfortável em prosseguir com o atendimento.
Um exemplo: quando a família de um um bebê em tratamento contra leucemia se recusa a realizar uma transfusão de sangue por razões religiosas, fundamental para sua recuperação, o médico responsável, desconfortável com a situação, acaba se negando a continuar o atendimento. Isso está de acordo com o Código de Ética Médica. Contudo, ele deve recomendar outro profissional para tomar seu lugar e garantir que todas as informações sejam repassadas ao novo profissional responsável pelo caso, assim como a comunicação com a família. A recusa do médico só não é ética quando põe em risco a vida do paciente.
Não há nada no Código de Ética Médica que proíba o atendimento a pessoas da própria família. Entretanto, é recomendado que o profissional indique ao familiar a procurar outro profissional, isento e especialista no tratamento do problema de saúde.
Um exemplo disponível no site do CREMESP expõe a complexidade do tema. Um médico prescreve para a mãe medicamentos para o alívio de sintomas relacionados a um desconforto estomacal. Os sintomas passam. Algum tempo depois, com o agravamento do desconforto, a mulher se consulta com um médico especialista e identifica um pequeno tumor. O exemplo levanta a hipótese de que a consulta com médico especialista e isento é fundamental para entender a complexidade do problema de saúde e tratamentos adequados.
Você já vivenciou situações em que se perguntou sobre a ética da sua decisão?