Entenda quais são os efeitos psicológicos da guerra

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Os conflitos globais, como os ocorridos entre Rússia e Ucrânia e Israel e Palestina, não apenas desencadeiam crises humanitárias, mas também têm repercussões significativas na saúde mental das populações afetadas. Diante desse cenário, surge a necessidade de entender melhor quais são os efeitos psicológicos da guerra e como tratá-los.

A constante exposição à violência, perda de entes queridos e a instabilidade socioeconômica resultante dessas situações contribuem para um ambiente adverso que impacta diretamente o bem-estar psicológico das pessoas. A ansiedade, o trauma e o estresse emocional tornam-se desafios crescentes.

O problema pode afetar tanto os indivíduos que presenciam estes conflitos quanto aqueles que acompanham os noticiários. Quer saber mais? Neste post, abordamos como a guerra pode afetar a saúde mental das pessoas. Confira!

Quais o panorama das guerras atuais?

Por interesses territoriais, econômicos e culturais, a Rússia invadiu a Ucrânia no início de 2022, após observar o crescimento da adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), dando origem a um dos conflitos mais violentos da atualidade.

De acordo com uma projeção do New York Times, mais de 200 mil pessoas já morreram nessa guerra, incluindo a população civil, soldados ucranianos e russos. Todavia, a estimativa é de que esse número seja muito maior do que o relatado.

A Organização das Nações Unidas (ONU) também noticiou que cerca de 6,2 milhões de ucranianos deixaram o seu país para trás, buscando refúgio em outras pátrias devido ao medo da violência.

Em 07 de outubro de 2023, o mundo foi surpreendido pelo ataque do grupo Hamas da Palestina a Israel, o que deu início a uma guerra sem precedentes entre as suas nações. O confronto foi desencadeado por disputas de territórios que no passado já foram ocupados por hebreus e filisteus.

Segundo dados do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) da ONU, mais de 10 mil palestinos e 1 mil israelenses já foram mortos nessa guerra. Os ataques também deixaram mais de 26 mil palestinos e 5 mil israelenses feridos. E, na Faixa de Gaza, mais de um milhão de pessoas ficaram desabrigadas.

Quais são as principais consequências da guerra?

Quando uma guerra se estabelece, ela desencadeia uma série de consequências devastadoras, afetando não somente as regiões diretamente envolvidas. Isso porque o conflito reverbera por diversos setores da sociedade e deixa um rastro de desafios humanitários, econômicos e psicológicos que podem perdurar por gerações. Veja, a seguir, quais são as principais consequências desse tipo de conflito.

Perda de vidas humanas

Sem dúvidas, um dos resultados mais duros de uma guerra é a perda de vidas humanas, o que acontece de forma numerosa e cruel todos os dias.

Soldados morrem no campo de batalha, enquanto a violência indiscriminada atinge diretamente a população civil, sobretudo, mulheres e crianças. Essas mortes representam mais do que números, tratam-se de indivíduos, famílias e comunidades afetadas de maneira irreversível.

Deslocamento e refugiados

O deslocamento em massa é uma consequência inescapável dos conflitos armados, perpetuando ainda mais o ciclo de sofrimento humano. À medida que as zonas de guerra se expandem, as populações civis se veem obrigadas a abandonar suas casas em busca de segurança.

Dessa forma, a tendência é que ocorra um êxodo maciço, gerando um considerável contingente de refugiados que procuram por asilo em terras estrangeiras. Além disso, muitos são forçados a se deslocar internamente, enfrentando condições precárias em acampamentos improvisados.

Mais do que perder o seu o lar, esse tipo de deslocamento também implica na ruptura de laços sociais, econômicos e culturais, o que deixa as comunidades em um estado de grande vulnerabilidade.

Destruição de infraestrutura

Estradas e portos, essenciais para a mobilidade e conectividade, são frequentemente reduzidas a destroços em guerras, prejudicando o fluxo de suprimentos e a reconstrução depois do encerramento do conflito.

Até mesmo os hospitais são transformados em alvos, privando a população de receber cuidados médicos urgentes. Escolas, fundamentais para o desenvolvimento educacional e social, também são atingidas, comprometendo o futuro das gerações.

Impacto econômico

Os custos associados à mobilização militar, como treinamento, equipamento e salários dos soldados, impõem um ônus financeiro substancial sobre os países em batalha. Pode ser somado a isso a reconstrução de infraestrutura danificada e restauração dos serviços essenciais que exigem investimentos altos.

A perda de produção econômica durante o conflito, seja devido à interrupção de operações industriais ou à fuga de investidores estrangeiros, contribui para uma recessão prolongada. A escassez de recursos, a inflação e o desemprego resultantes agravam ainda mais a crise econômica, afetando as condições de vida das populações já impactadas pelas hostilidades.

Instabilidade política

A guerra desencadeia instabilidade política, com o potencial de desestabilizar governos existentes e reconfigurar o panorama geopolítico. A queda de regimes pode levar à formação de governos provisórios ou ao surgimento de facções rivais, intensificando as divisões étnicas e sectárias.

As alianças geopolíticas também podem ser redefinidas, influenciando as relações internacionais a longo prazo. A complexidade desse cenário político pós-conflito representa um desafio considerável para a reconstrução institucional e a consecução da estabilidade duradoura.

Proliferação de armas

É comum que durante conflitos aumente a demanda por armamentos, tanto para fortalecer as forças em combate quanto para reforçar a segurança da população cível em meio à instabilidade.

Esse aumento na produção e disseminação de armas pode ter efeitos no decorrer do tempo, como o excesso de armamento que, muitas vezes, não é devidamente controlado ou regulamentado após o fim do conflito, facilitando a construção de uma sociedade propícia à persistência da violência.

Impacto ambiental

O meio ambiente sofre diversos impactos a partir dos ataques realizados em guerra. Um exemplo disso é a poluição decorrente de derramamentos de substâncias tóxicas e resíduos de armamentos.

A destruição de habitats naturais por bombardeios diretos ou por práticas como desmatamento para fins estratégicos é bastante comum e preocupante. O uso indiscriminado de recursos naturais, para suprir as demandas logísticas e destrutivas de combates, também intensifica a degradação ambiental.

Essas alterações culminam na perda da biodiversidade, modificando padrões climáticos locais e degradando o solo, condições que podem se estender por anos.

Quais os efeitos psicológicos da guerra?

A saúde mental na guerra é extremamente prejudicada, o que se deve à exposição constante a situações de violência e perdas traumáticas. As consequências psicológicas se manifestam são abrangentes e complexas, se manifestando em uma variedade de condições. Descubra, abaixo, quais são elas.

Estresse Pós-Traumático (PTSD)

As experiências traumáticas durante a guerra, como combates intensos, perda de familiares e amigos e situações de perigo constante, podem levar ao desenvolvimento de Estresse Pós-Traumático (PTSD). O problema se manifesta por meio de flashbacks, pesadelos, ansiedade e hipervigilância.

O PTSD é recorrente entre militares, civis em zonas de confronto, refugiados, profissionais de resgate e vítimas diretas de violência. Indivíduos com esse transtorno mental podem enfrentar impactos significativos na qualidade de vida, incluindo dificuldades nas relações interpessoais, comprometimento no desempenho ocupacional e educacional, além de riscos aumentados de abuso de substâncias.

O tratamento do Transtorno Pós-Traumático envolve a realização de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) para modificar os padrões de pensamento disfuncionais. São indicadas, ainda, as Terapias de Exposição Gradual e Reprocessamento por Dessensibilização e Movimentos Oculares (EMDR). Em alguns casos, medicamentos, como antidepressivos, podem ser prescritos para aliviar sintomas específicos.

Depressão

Aqueles que vivenciam um conflito repleto de ataques e mortes podem ter o desenvolvimento da depressão precipitado, doença mental que se caracteriza pela tristeza profunda, desamparo e desesperança de que as coisas vão melhorar. Isso porque, o dia a dia na guerra acentua o peso emocional sobre os indivíduos, deteriorando o seu estado de espírito.

Uma pessoa que perde os seus familiares, muitas vezes a família inteira, assiste à destruição de seu lar e enfrenta ameaças constantes à sua segurança acaba acumulando traumas e têm mais chances de desenvolver depressão profunda.

A depressão pode ser identificada a partir da perda de interesse em atividades que anteriormente eram prazerosas, alterações no apetite e sono, sentimentos de desvalorização e fadiga.

Para tratá-la, é necessário combinar a TCC e o uso de medicamentos antidepressivos. Quando não é devidamente tratada, o transtorno pode se agravar, o que debilita a sua saúde e eleva os riscos de suicídio.

Ansiedade

O Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) é um efeito recorrente não só para quem vivencia a guerra, mas também para as pessoas que acompanham os seus desdobramentos de longe, por meio dos noticiários. A constante visualização de imagens chocantes e relatos de violência pode gerar um estado persistente de tensão emocional

Em um quadro de ansiedade o paciente pode apresentar sintomas emocionais e físicos, como preocupação excessiva, nervosismo contínuo, irritabilidade, agitação, dificuldade para se concentrar, tensão muscular, tremores, palpitações, sudorese e problemas gastrointestinais.

Na maioria dos casos, a TAG é tratada com a Terapia Cognitiva-Comportamental e a prescrição de medicação ansiolítica. O não tratamento adequado da ansiedade pode implicar no agravamento dos sintomas e no surgimento de outros problemas de saúde mental, como depressão e síndrome do pânico.

Síndrome do pânico

Os eventos intensos e ameaçadores típicos de guerra provocam respostas neurobiológicas que acarretam o aparecimento da síndrome do pânico, que é definida como um transtorno de ansiedade aguda.

As manifestações clínicas do transtorno compreendem palpitações, sudorese, tremores e uma sensação avassaladora de terror, quase sempre acompanhada pela crença de que a pessoa está à beira da morte.

A síndrome de pânico deve ser tratada com TCC, para o indivíduo aprender a reconhecer e controlar os seus sintomas, e com remédios ansiolíticos que ajudam a gerenciar a ansiedade.

Luto complicado

Imagine uma pessoa que está vivendo normalmente e, de repente, toda a sua vida é arrasada por uma guerra que atinge a sua comunidade. E, em um dos ataques à bomba que se tornam rotineiros, parte da sua família é dizimada.

Nessa circunstância, a pessoa que sobrevive pode sofrer o chamado luto complicado, que é uma resposta intensificada e prolongada à perda, caracterizada por uma incapacidade persistente de se adaptar ao evento de maneira saudável.

No contexto de conflitos armados, o luto complicado se torna um efeito psicológico proeminente, já que as perdas frequentes de entes queridos, aliadas à violência e trauma, podem complicar consideravelmente o processo de lidar com a perda.

A sintomatologia do transtorno pode incluir dificuldade em aceitar a perda, pensamentos intrusivos sobre a morte, evitação de atividades associadas a pessoa falecida e um profundo sentimento de desespero.

A condição pode ser controlada com terapias de luto específicas, como a Terapia de Luto Complicado (CGT), que é focada em explorar emoções, promover aceitação e fornecer apoio profundo. Ademais, a TCC também pode ser eficaz para modificar padrões de pensamento disfuncionais relacionados à perda.

O suporte social é fundamental, seja por meio de grupos de apoio, família ou amigos, proporcionando um ambiente que facilite a expressão emocional e a construção de significado em torno da perda. O reconhecimento precoce e a intervenção sensível são cruciais para prevenir o agravamento do luto complicado, contribuindo para um processo de cura mais efetivo.

Transtorno de adaptação

O transtorno de adaptação é uma reação emocional desproporcional a um estressor ou evento estressante, resultando em dificuldades de adaptação. Na perspectiva da guerra, esse quadro emerge como um efeito psicológico corriqueiro, uma vez que a vivência de diversos traumas e a instabilidade associadas podem sobrecarregar os mecanismos de enfrentamento individuais.

Ao desenvolver esse transtorno a pessoa manifesta irritabilidade, ansiedade, tristeza persistente, alterações no sono e problemas de concentração. A principal forma de tratamento se baseia na participação de TCC para enfrentamento dos pensamentos disfuncionais, acompanhada de suporte social, emocional e prático para que o indivíduo se adapte ao cenário pós-guerra.

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Os efeitos psicológicos da guerra, seja vivenciada diretamente ou observada à distância, podem gerar traumas duradouros. A ansiedade, depressão e transtornos como o estresse pós-traumático impactam profundamente o bem-estar mental, impedindo que a pessoa desfrute de sua vida plenamente e se relacione com quem está ao seu redor de forma saudável.

A comunidade médica deve adotar abordagens multidisciplinares, priorizando o acesso a terapias especializadas, apoio social e intervenções sensíveis para ajudar as pessoas traumatizadas a reconstruírem suas vidas. O entendimento da complexidade desses efeitos e a implementação de estratégias eficazes são cruciais para mitigar os impactos a longo prazo e promover a saúde de pacientes em momentos de fragilidade.

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