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23.5.2022
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O cateterismo cardíaco diagnóstico é um procedimento realizado para avaliação do coração tanto do ponto de vista anatômico quanto funcional, por meio da obtenção de parâmetros fisiológicos/hemodinâmicos.
É um procedimento invasivo, realizado a partir da punção de uma artéria e/ou veia, com passagem de um cateter que alcança o coração. Sua indicação mais frequente é para a realização de cineangiocoronariografia, exame padrão ouro para o diagnóstico de doença coronariana aterosclerótica.
O exame requer um período de jejum, geralmente é realizado com anestesia local no sítio de punção e com o paciente acordado ou sob efeito de sedação leve. Para a coronariografia a punção é realizada na artéria radial (primeira escolha atualmente) ou femoral, sendo a dissecção da artéria braquial raramente utilizada. A escolha da artéria também depende de características do paciente e da experiência do examinador e do serviço.
Após a realização do exame os dispositivos são retirados e é necessária a compressão da artéria puncionada para evitar sangramento e complicações. Essa compressão pode ser manual ou por meio de dispositivos e é feita pelo tempo mínimo de 15 minutos. Após, o paciente permanece com um curativo compressivo em observação por algumas horas, a depender do sítio de punção.
Além de visualizar a anatomia coronária, pela mesma punção arterial é possível obter medidas das pressões da aorta e ventrículo esquerdo e avaliar o funcionamento das valvas aórtica e mitral, além de obter dados de pressão e função ventricular esquerdas. A ventriculografia avalia o movimento da parede dos ventrículos e suas vias de saída, possibilita uma estimativa da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e avalia a presença e gravidade da regurgitação valvar mitral.
Já a avaliação da pressão do átrio e ventrículo direitos, artéria pulmonar e pressão de oclusão da artéria pulmonar é feita por punção de veia femoral, subclávia ou jugular. Esse é o chamado cateterismo direito. A avaliação dessas medidas junto a outros parâmetros hemodinâmicos do paciente possibilita o cálculo do débito cardíaco, resistência vascular pulmonar e periférica, entre outros.
As principais indicações da coronariografia são angina estável com sintomas limitantes mesmo em tratamento clinico otimizado, teste isquêmico não invasivo com achados de alto risco, morte súbita abortada, taquicardia ventricular monomórfica sustentada ou polimórfica não sustentada, angina instável de alto risco, suspeita de angina vasoespástica ou de Prinzmetal, suspeita de oclusão aguda ou subaguda pós implante de stent, angina recorrente após intervenção coronária percutânea, síndrome coronariana aguda (SCA), avaliação pré-tratamento valvar (cirúrgico ou percutâneo) quando o paciente apresenta dor torácica ou há evidência de isquemia.
O cateterismo direito é realizado em situações mais específicas, como em avaliação pré-transplante cardíaco, avaliação de hipertensão arterial pulmonar e para o diagnóstico de algumas miocardiopatias mais raras e pericardite constritiva.
Após a punção arterial é introduzido um cateter até os óstios coronários, para injeção de contraste e aquisição das imagens, que é realizada em diferentes angulações. O objetivo das diferentes angulações é visualizar as coronárias em toda sua extensão, com o mínimo de sobreposições e artefatos possível.
A partir das imagens obtemos informações sobre a localização, tamanho, diâmetro e contorno das coronárias e conseguimos observar se há algum grau de obstrução e se essa é decorrente de placas de ateroma, trombo, dissecção, espasmo ou ponte miocárdica. Além disso, podemos observar se há circulação colateral.
Para quantificar a obstrução, compara-se o diâmetro da área onde se encontra a redução do calibre com a área sadia do vaso e se houver redução maior que 50% o paciente tem obstrução significativa, na maioria das vezes ocasionada por coronariopatia obstrutiva. É importante identificar se a obstrução está na região ostial, proximal, média ou distal do vaso e a mesma artéria pode ter mais de uma obstrução.
Quando há obstrução completa, é importante avaliar se há circulação colateral, sua origem e importância, e esta pode ser graduada em circulação colateral grau 0 (ausente), grau 1 (enchimento de pequenos ramos do vaso acometido), grau 2 (enchimento parcial do vaso acometido) ou grau 3 (enchimento completo do vaso acometido).
Não há nenhuma contraindicação absoluta e as principais contra indicações relativas são: alterações de coagulação ou sangramento ativo, anemia importante, plaquetopenia < 50 mil, infecção ativa, distúrbios eletrolíticos graves não corrigidos, doença psiquiátrica grave não compensada, intoxicação digitálica grave, endocardite ativa (principalmente de valva aórtica), hipertensão grade não compensada, AVC agudo, taquiarritmias não controladas, insuficiência renal aguda, insuficiência cardíaca descompensada.
Complicações graves ocorrem em menos de 1% dos casos: óbito, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, arritmias, complicações vasculares, reação ao contraste e complicações hemodinâmicas.
Uma das complicações mais comuns é o sangramento e existem alguns fatores de risco para sua ocorrência: idade avançada, sexo feminino, baixo peso ou obesidade, hipertensão grave, insuficiência cardíaca, doença vascular periférica, síndrome coronariana aguda, insuficiência renal, anemia, diabetes, punção femoral, introdutor muito calibroso, permanência prolongada do introdutor, necessidade de várias intervenções, uso de antiplaquetários, cross-over de anticoagulantes, uso de trombolíticos.
O hematoma ocorre em até 23% dos acessos femorais e o diagnóstico é clinico, com a visualização de inchaço e palpação de região endurecida sob a pele no local da punção, com dor local. O tratamento consiste de compressão local e, se necessário expansão volêmica e transfusão sanguínea. O hematoma retroperitoneal (incidência menor que 0,5%), mais grave, ocorre quando o sangue escorre para trás do peritônio e pode ser fatal se não reconhecido rapidamente. Os sintomas são dor no flanco, abdome ou dorso e pode haver hipotensão e taquicardia.
A presença de equimose e queda de Hb/Ht geralmente são tardias e o diagnóstico é feito com tomografia. O tratamento consiste de expansão volêmica, monitorização de Hb e Ht e transfusão se necessário, interrupção de antiagregantes e anticoagulantes, realização de protamina para reverter a ação da heparina e pode haver necessidade de cirurgia.
O pseudoaneurisma ocorre em até 6% e resulta de escape de sangue entre uma das paredes da artéria para o tecido ao redor. Geralmente ocorre em punções mais difíceis e compressão ineficiente após a retirada da bainha. O tratamento consiste basicamente em manter repouso no leito. Boa parte resolve espontaneamente e necessita apenas monitorização e os maiores podem ser tratados com compressão guiada por ultrassom, injeção de trombina guiada por ultrassom ou intervenção cirúrgica.
Fistulas arteriovenosas ocorrem em até 2,1% e são definidas como uma comunicação entre artéria e veia adjacentes, que ocorre quando ambas são puncionadas. Estão também relacionadas a múltiplas tentativas de punção ou punções em local não adequado. Podem ser assintomáticas e o diagnóstico é feito pela presença de frêmito ou sopro no local da punção. Mais raramente pode haver insuficiência arterial distal e/ou trombose venosa profunda.
Algumas se resolvem espontaneamente e algumas necessitam compressão guiada por ultrassom ou cirurgia.
Oclusão arterial é bastante rara, decorrente de oclusão por trombo originado das câmaras cardíacas, aneurismas vasculares, placas ateroscleróticas ou da bainha ou ponta do cateter. Os sintomas são dor, paralisia, parestesia, ausência de pulso ou palidez e é necessária angiografia para localizar exatamente o local da oclusão.
O tratamento depende do tamanho e tipo da embolia, localização e sintomas.
Oclusão da artéria radial ocorre em 2 a 18% dos casos e os fatores de risco são compressão prolongada da artéria com alta pressão, diâmetro arterial pequeno e calibre grande do introdutor. Realiza-se anticoagulação, hemostasia, compressas quentes ou frias, exercícios de antebraço e anti-inflamatórios ou corticoide. A isquemia da mão é extremamente rara e geralmente decorrente de canulação prolongada.
O espasmo de artéria radial é mais frequente (até 18%) e também tem relação com canulação prolongada, além de artéria pouco calibrosa, sexo feminino, introdutor calibroso e operador pouco experiente. Pseudoaneurismas, perfurações, lesão de nervos e fistulas arteriovenosas são muito raros.
Os sintomas leves ocorrem em 3 a 12% dos pacientes e a mortalidade relacionada a reação ao contraste é de 1 a cada 100 mil casos. As reações podem ser imediatas ou tardias, sendo as tardias mais frequentes e mais leves. O risco de reação alérgica ao iodo é maior para pacientes com alergias em geral e quem já teve alergia ao contraste tem risco 6 vezes maior de recorrência em relação aos sem história prévia.
Quem tem antecedente de alergia deve realizar tratamento preventivo com corticoides e anti-histamínicos.
É a piora da função renal em decorrência do uso de contraste, geralmente reversível. O critério diagnóstico mais aceito é o aumento de 0,5mg/dL na creatinina ou mais de 25% do valor basal em 24 a 72 horas após a injeção do contraste.
A incidência é menor que 1% nos pacientes sem fatores de risco e de até 20% nos pacientes com alto risco, como os com nefropatia diabética.
Os principais fatores de risco são nefropatia diabética, insuficiência renal aguda prévia, idade maior que 75 anos, hipoperfusão renal, uso recente de agentes nefrotóxicos, altas doses de contraste (> 125ml), exposição repetida ao contraste (< 72 horas), tipo de contraste, mieloma múltiplo, hiperglicemia, hepatopatia e anemia.
A prevenção pode ser feita por hidratação venosa, com soro fisiológico 0,9%, com início 6 a 12 horas antes do procedimento e deve ser mantida até 6 a 12 horas após, em uma taxa de infusão de 1 ml/kg/h. Em pacientes ambulatoriais pode-se realizar 3ml/kg/h uma hora antes e 1 a 1,5ml/kg/h por quatro a seis horas após e no caso de pacientes que não toleram grandes volumes de hidratação pode-se utilizar solução com bicarbonato de sódio como alternativa.
Estudos com acetilcisteína tem resultados inconsistentes, porém como é medicação de baixo custo e com poucos efeitos colaterais é bastante utilizada. A dose é de 600 a 1200mg via oral duas vezes ao dia com início um dia antes e término um dia depois do exame.
Pacientes de baixo risco para nefropatia induzida pelo contraste devem manter hidratação via oral adequada, sem necessidade de hidratação endovenosa.
O cateterismo cardíaco diagnóstico é exame bem estabelecido e amplamente disponível nos dias de hoje.
Isabela Abud Manta
Editora de cardiologia do Portal PEBMED ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Atualmente atuando nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.
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