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19.10.2022
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Equipe Afya Educação Médica
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Dois ensaios clínicos publicados recentemente analisaram o uso de substâncias que podem diminuir o tempo de retorno da função intestinal.
Uma das mais frequentes queixas no pós-operatório de qualquer procedimento gastrointestinal é a presença de íleo pós-operatório. O íleo quando prolongado retarda a alta hospitalar, aumenta o custo da interação e está relacionado a outras complicações que podem levar à morbimortalidade de pacientes.
Uma das questões mais discutidas atualmente após colectomias é o retorno precoce à ingestão de alimentos, cirurgia sem opioide e deambulação precoce. Um retorno imediato aos hábitos e necessidades diárias está relacionado a uma diminuição de morbidade e complicações hospitalares, conforme projeto ERAS (Enhanced Recovery After Surgery).
Porém, nem todos os pacientes evoluem da forma almejada e, mesmo com o retorno precoce, evoluem com íleo pós-operatório.
Dois ensaios clínicos publicados recentemente no British Journal of Surgery, analisaram o uso de substâncias que podem diminuir o tempo de retorno da função intestinal. O primeiro artigo utilizou prucalopride de forma randomizada e duplo cega comparada com placebo, multicêntrica e paralela.
O prucalopride é uma agonista de receptores de serotonina 4, que aumentam a acetilcolina pré-sináptica do vago e assim aumentando a motilidade gástrica e colônica.
O critério de inclusão foram pacientes submetidos a colectomia, e o desfecho primário a ser observado foi o tempo para aceitação de dieta e presença de evacuação. O segundo artigo, com desenho bastante semelhante ao primeiro, utilizou a cafeína como substância ativa e comparou com placebo.
Uma diferença interessante deste segundo artigo que analisou apenas colectomias videolaparoscópicas, o que historicamente já está associada a um menor íleo pós-operatório.
Ao final e com as exclusões necessárias foram alocados 75 pacientes em cada grupo. Houve perda em ambos os grupos e o no final foi de 74 para cada grupo e assim, estatisticamente analisados.
A diferença entre os grupos não apresentou diferença estatística para o tempo da primeira evacuação com 3,5 dias para o grupo prucalopride e 4,0 dias para o grupo controle (p=0,124). O tempo para a ingestão alimentar adequada foi o mesmo dos dois grupos (2 dias 0,5-3,5 p=0,669).
Na análise das complicações pós-operatórias também não apresentou nenhuma diferença estatística.
Já no estudo da cafeína, foram criados três grupos para análise e cada um com 20 pacientes, sendo a diferença a dose da cafeína 100 mg, 200 mg ou placebo. O tempo médio para o primeiro movimento evacuatório foi 67,9h, 69,2h e 67,3h respectivamente para 200mg, 100mg e placebo (p=0,887).
Assim, este protocolo determinou que a cafeína não diminuiu o tempo para a primeira evacuação do paciente.
O uso regular de pró-cinéticos muitas vezes é extrapolado como uma forma que irá “diminuir” o íleo pós-operatório. A função teórica de um fármaco pode não apresentar benefícios na prática clínica.
Interessante notar que no segundo estudo, que utilizou apenas laparoscopia, o tempo médio para a primeira função intestinal foi menor. A menor manipulação dos métodos minimamente invasivos se reflete drasticamente na recuperação dos pacientes.
O retorno precoce à alimentação e os métodos preconizados pelo protocolo ERAS já estão provados de serem mais eficazes que o uso isolado de um (ou múltiplos) fármacos.
Felipe Victer
Cirugião geral ⦁ Hospital Universitário Pedro Ernesto ⦁ Hospital Universitário Clementino fraga filho (UFRJ) ⦁ Felllow do American College of Surgeons ⦁ Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões ⦁ Membro da Sociedade Americana de Cirurgia Gastrointestinal e Endoscópica (Sages) ⦁ Ex-editor adjunto da Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (2016 a 2019).
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