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19.6.2018
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Equipe Afya Educação Médica
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As relações cultivadas entre médicos e pacientes são bastante complexas. Ao mesmo tempo em que deve ser mantida uma certa distância e profissionalismo, é impossível esperar que as partes estejam completamente desconectadas. Afinal de contas, somos todos seres humanos em busca de um mesmo objetivo: o tratamento de doenças e a qualidade de vida.
Para os profissionais da área da saúde, a responsabilidade de dar diagnóstico difícil aos pacientes pode ser uma das partes mais complicadas do trabalho, especialmente para médicos em início de carreira. Encarar um semelhante nos olhos e fornecer um prognóstico ruim não é nada fácil para nenhum dos envolvidos.
Por isso, é essencial conhecer métodos e dicas para tornar esse momento o menos traumático possível para os médicos, os enfermos e os seus familiares. Oferecer dignidade e permitir o direito da escolha conjunta do paciente sobre os tratamentos é, inclusive, tema de discussão em diversos artigos do Código de Ética Médica.
Pensando nisso, preparamos um artigo completo para que você, estudante ou médico formado, saiba melhor como lidar com situações difíceis como essa. No decorrer do texto, abordaremos assuntos como a importância da veracidade na informação, os direitos dos pacientes e forneceremos dicas para auxiliá-lo nessa tarefa. Boa leitura!
Conhecer alguns dos modelos de classificação para a relação entre os médicos e seus pacientes é uma boa maneira de começar a compreender a importância da autonomia dos pacientes (e, consequentemente, da transmissão clara de informações essenciais sobre o diagnóstico e prognóstico) na decisão de tratamentos.
O método de classificação das relações entre médicos e pacientes foram propostos inicialmente em 1972, pelo professor Robert Veatch, do Instituto Kennedy de Ética (Universidade de Georgetown (EUA).
O estudioso dividiu os modelos em quatro tipos: sacerdotal, engenheiro, colegial e contratualista. Cada um deles conta com características completamente únicas e demonstra as diferentes nuances que podem ocorrer nos relacionamentos entre as duas partes. Vamos saber um pouco mais sobre elas?
Esse tipo de abordagem é uma das mais tradicionais, especialmente entre os médicos formados há mais tempo. Ela é pautada na postura paternalista adotada pelo profissional, o que torna desigual a interação entre as partes. É também conhecido como modelo paternalístico.
Nesses casos, o médico está em posição dominante e é dele a responsabilidade pela tomada das decisões, devido ao seu conhecimento técnico sobre as doenças e seus tratamentos. A opinião do paciente não é, muitas vezes, levada em consideração nas escolhas terapêuticas.
O modelo engenheiro pode ser tido como o extremo oposto do sacerdotal. Aqui, o paciente é responsável por suas decisões e tem o poder de escolher completamente sozinho. Seu outro nome, dado por Ezequiel e Linda Emanuel, é conhecido como informativo.
Por conta disso, o médico aqui é visto meramente como alguém que informa e atende às necessidades do paciente, que passa a ser visto como uma espécie de cliente que está pagando por um serviço e o quer entregue da forma como desejar.
E se o poder de decisão em relação aos tratamentos fosse compartilhado? É exatamente essa a intenção do modelo colegial, em que não o médico não é visto nem como personagem paternalista, nem como passivo às decisões daquele que compra seus serviços.
Aqui, todos são vistos como indivíduos completamente iguais. Portanto, há uma deficiência no propósito do médico na relação, já que todas as partes teoricamente têm o mesmo poder de voz e os conhecimentos do médico não são considerados como um ‘’algo a mais’’ na hora de determinar a escolha.
Por fim, temos o modelo contratualista, considerado por muitos como aquele que abrange o relacionamento ideal entre o médico e seus pacientes. Aqui, os conhecimentos do médico são respeitados e garantem o maior poder de decisão acerca do tratamento, já que ele é quem pode condicionar melhor tais questões.
Apesar disso, o paciente participa ativamente das tomadas de decisões, demonstrando suas vontades, limites e objeções. Em conjunto, as duas partes decidem o que é melhor para o paciente, sempre levando em consideração que o médico é aquele que conhece os prós e os contras de cada procedimento e decisão.
Em um passado não tão distante, era considerado prejudicial (ou até mesmo desumano) dar notícias negativas ao paciente sobre o diagnóstico e prognóstico de suas enfermidades.
No entanto, o cenário e o contexto desse pensamento eram completamente diferentes do que ocorre nos dias atuais. Antigamente, os tratamentos eram muitas vezes insuficientes e grandes descobertas sobre procedimentos e fármacos eficazes ainda não eram conhecidas.
Atualmente, por sua vez, as possibilidades são cada vez mais variadas e as chances de cura dos pacientes aumentaram consideravelmente. Por isso, se torna indispensável o cumprimento de todos os artigos do Código de Ética Médica (2010), que conta com vários pontos importantes sobre a informação fornecida aos enfermos.
Em síntese, os principais artigos sobre o tema são:
Nosso primeiro exemplo da importância da veracidade nas relações entre médicos e diz respeito ao artigo 22, contido no capítulo IV do Código de Ética. Aqui, o texto deixa bem claro que é extremamente proibido ‘’deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado’’.
Por isso, é essencial que o médico informe todos os procedimentos ao paciente (ou, em casos especiais, ao seu representante), mencionando quais são os prós, contras e os riscos de cada procedimento, para que o consentimento seja dado baseado em todas as informações.
Em seguida, podemos observar que o artigo 24, do mesmo capítulo, diz que está vetado “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa, bem como exercer sua autoridade”.
Em outras palavras, é terminantemente proibido que o médico faça com que, indiretamente, o paciente não possa decidir o melhor para si mesmo. Negar informações importantes pode levar o indivíduo em questão a tomar decisões prejudiciais para a sua saúde física e mental.
No capítulo seguinte, no artigo 31, é possível observar mais uma vez a importância da autonomia para a saúde dos pacientes e para um bom relacionamento entre eles e seus médicos. Esse artigo diz que é proibido “desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas”.
Como podemos perceber, fica claro novamente que o paciente necessita ter todas as informações para decidir de forma adequada sobre o melhor caminho a tomar para si, com seus valores pessoais e limites emocionais. A única exceção para esse caso, é claro, é o risco iminente de morte.
O artigo 34 nos informa sobre o veto de “deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento”. Para isso, é importante falar de forma clara, evitando jargões exclusivos da área médica e sempre focar na compreensão dos envolvidos.
Com isso, a dignidade do paciente (e de seus familiares, quando for o caso) será preservada e a relação terá um tom muito mais humanizado. O paciente só deve ser excluído de tais decisões quando as informações oferecerem danos emocionais ou físicos. Nesses casos, cabe ao representante legal receber as notícias.
O último artigo de nossa lista está contido no artigo X e fala mais uma vez sobre a importância da transparência e da verdade na hora de trazer más notícias para os pacientes e fazer com que eles decidam da melhor forma possível sobre os próximos passos.
Nele, é falado sobre o prontuário. Como sabemos, nesse documento estão contidas todas as informações sobre a saúde dos pacientes, incluindo exames, medicações e procedimentos feitos. Segundo o Código de Ética, o paciente tem acesso irrestrito a essas informações, sendo antiético vetar o acesso a elas.
Antes de mais nada, é importante contextualizarmos o significado de “má notícia”. É difícil precisar exatamente o seu significado, já que os conceitos de bom ou ruim variam drasticamente de acordo com as experiências, valores e crenças pessoais de cada indivíduo.
No entanto, é possível definir as más notícias como aquelas informações que afetam de forma negativa a perspectiva de uma pessoa sobre o seu futuro. Por isso, muitos médicos ficam receosos e optam por não repassar toda a verdade sobre prognósticos considerados negativos aos pacientes.
Além disso, é necessário explicar que os relacionamentos de qualquer espécie são sempre fundamentados na confiança e, portanto, na veracidade das informações trocadas entre as partes.
Por fim, é impossível falarmos sobre a autonomia de um paciente sem informá-lo sobre toda a realidade do que ocorre com seu corpo. A falta de informações retira do indivíduo o poder sobre as rédeas de sua própria vida, ainda que o médico detenha o conhecimento específico para lidar com as doenças.
Por conta disso, boa parte dos pacientes desejam estar a par de todos os passos de seu tratamento, incluindo diagnósticos ruins e prognósticos não tão esperançosos. Ser informado desde o início auxilia também no sentimento de conformidade com notícias consideradas extremamente negativas.
Na maior parte das vezes, eles já suspeitam de que algo está errado com a sua saúde, principalmente em função dos meios de comunicação e a associação com os sintomas, além de conversas com outros pacientes em esperas para consultas e exames.
A dúvida é uma das partes que mais traz angústia e ansiedade para os pacientes. Permanecer em um limbo de ignorância é viver um misto de esperança e sofrimento, o que pode, inclusive, prejudicar as relações pessoais dos indivíduos em questão, afetando toda a família.
Além disso, não informar aos pacientes sobre o que realmente acontece com a sua saúde é privá-los da escolha de como passarão o tempo restante, causando imensa tristeza para todos os entes queridos quando a descoberta é feita.
Levando todas essas informações em consideração, fica fácil perceber que grande maioria dos pacientes deseja saber as más notícias o quanto antes, desde que elas sejam repassadas de forma humanizada e respeitando a sua dignidade.
Já conseguimos perceber a importância ética e humana da transmissão de informações sobre os diagnósticos e perspectivas médicas dos pacientes. Com esses dados em mãos, é muito mais fácil fazê-los assimilar as más notícias e viverem os dias remanescentes rodeados de entes queridos.
Mas e quando chega o derradeiro momento, como devemos nos portar? Quais são as dicas que podem tornar esse momento menos traumático para ambas as partes e por fim, como mostrar o apoio como médico nessa fase tão difícil para nossos pacientes? Confira a seguir:
Essa etapa pode ser complicada, especialmente para médicos com uma grande rotatividade de pacientes. No entanto, é indispensável tirar um tempo para aprender informações cruciais e que vão muito além dos resultados de exame e descrições de anamnese, como o nome e os desejos da pessoa em questão.
Além disso, é importante salientar que o paciente também se reserva ao direito de não saber de todas as informações sobre seu estado de saúde e deixar todas as decisões inteiramente nas mãos dos médicos e da equipe responsável. Como pessoas são complexas e muito diferentes, isso acontece com alguma frequência.
Portanto, pergunte a ele sobre sua vontade em ser informado sobre todos os passos e qual é o nível de abertura desejado. Questione também sobre a existência de um membro familiar que ele deseja que saiba por ele. Assim, fica muito mais fácil saber exatamente como se portar nos passos seguintes.
Esse é um ponto importantíssimo na hora de dar notícias a um paciente, tanto boas quanto ruins, e que infelizmente acaba sendo desconsiderado com uma grande frequência. O sigilo médico, juramentado por todos os médicos ao se formarem, diz que não devemos repetir as informações de pacientes a outras pessoas que não sejam ele.
Mas como isso se aplica na hora da divulgação de um diagnóstico ruim? Simples: às vezes, por não conseguirem lidar diretamente com o paciente, médicos optam por contar primeiro a seus familiares sobre o que está ocorrendo com ele, divulgando dados de exames e diagnósticos, também tentando preparar a família para o que está por vir.
Esse tipo de atitude é terminantemente proibida e pode minar a confiança de seu paciente em você, dificultando todo o processo de tratamento. Ela só é permitida em casos específicos, como:
Ensaiar bem o que será falado é uma das principais dicas de oratória, e é fornecida a qualquer pessoa que falará em público. Embora a sua conversa com seu paciente não tenha necessariamente uma plateia, é essencial que você saiba exatamente o que e, principalmente, como serão repassadas as informações.
O principal objetivo do ensaio é tentar se colocar no lugar do paciente e imaginar diferentes reações para as notícias e como você responderá a elas de modo respeitoso.
Por isso, faça um rascunho com todos os temas que você deseja cobrir e ensaie bastante. Lembre-se de que é perfeitamente natural se sentir desconfortável e infeliz com a situação. Ser o responsável por transmitir tais informações não é agradável e não há problema em demonstrar o seu pesar para o paciente, como veremos um pouco mais a frente.
Falar a língua de seus pacientes e seus familiares é indispensável. Uma das principais queixas das pessoas atendidas em hospitais e clínicas e, sem dúvidas, uma das principais barreiras na relação entre médicos e pacientes é o mau uso das palavras.
Muitos profissionais acabam, mesmo que sem perceber, utilizando jargões médicos incompreensíveis para pessoas que não são da área médica. Isso dificulta a absorção de informações e pode fazer com que você precise explicar tudo novamente, gerando ainda mais desconforto e ansiedade a todos os envolvidos.
Por isso, mantenha o linguajar o mais simples possível e use exemplos e metáforas práticas para mostrar o que está querendo dizer. Além disso, mantenha a linguagem empática e clara, sempre deixando bem claro o quanto lamenta a ocorrência de tal situação.
Por fim, é recomendado repassar a informação com pequenas pausas. Não despeje todas as informações em seu paciente e observe sua reação, conversando com ele pouco a pouco. Por isso, é importante que ele seja informado desde o início sobre todos os passos, já que essa atitude os deixa mais confortáveis com a notícia e engajados em seu próprio tratamento.
Complementando o tópico anterior, é necessário falar sobre a importância da comunicação na hora de entregar notícias negativas. Embora pareça redundante, se comunicar não é, de nenhuma forma, sinônimo de falar.
Na hora de fornecer más notícias ou um diagnóstico ruim ao paciente, é essencial que o médico converse com ele. Uma boa técnica para tornar o indivíduo ativo na conversa é fazer perguntas antes de dar uma informação. Por exemplo: “você sabe por qual motivo fizemos esse último exame, não é mesmo?”
Dessa forma, o paciente já deixa claro quais são algumas de suas dúvidas e expectativas para o que vem a seguir. Assim, fica muito mais fácil direcionar a conversa e fazê-lo compreender exatamente o que ele precisa, sem deixar nada para trás. Explicar o passo a passo de forma clara e didática é fundamental para a assimilação do diagnóstico.
Além disso, é importante perguntar o quanto ele deseja saber e o que ele deseja que seus familiares saibam. É direito do paciente omitir informações sobre sua saúde, mesmo de pessoas que convivem com ele diariamente.
A empatia (capacidade humana de se colocar no lugar de outros indivíduos emocionalmente) é parte essencial do trabalho como médico e deve estar presente no dia a dia. No entanto, na hora de receber más notícias, os pacientes necessitam ainda de mais conforto e apoio vindo dos profissionais responsáveis pelo seu caso.
Para isso, é fundamental que você enfatize bem que compreende o que ele está sentindo, com frases como “compreendo que esse é um momento extremamente difícil” ou “sei que isso é assustador, mas…”. Lembre-se de sempre dar um momento para que o paciente assimile o que foi dito e organize seus pensamentos. Sempre que possível, olhe-o nos olhos.
Além disso, nem sempre é fácil lidar com as reações das pessoas, sejam pacientes difíceis ou simplesmente emocionais. É comum que indivíduos reajam de formas distintas, que vão de uma raiva explosiva ao silêncio e descrença totais. Por isso, tenha sempre por perto um copo com água e alguns lenços, e deixe que as emoções se acalmem antes de prosseguir.
Ofereça conforto e demonstre solidariedade, deixando claro que você está ao seu lado. Jamais use frases como “não há mais nada que possamos fazer” ou dê um tempo restante de vida. Ofereça, no lugar disso, informações sobre os próximos passos, sejam tratamentos paliativos ou não. O senso de que há algo para esperar pode ser muito reconfortante para muitas pessoas.
Por fim, evite também afirmações como “você precisa ser forte”. Esse tipo de frase é, na maioria das vezes, muito mal recebida. Afinal de contas, não podemos dizer como alguém deve se sentir, ainda mais após receber uma notícia ruim.
Nada de pressa. Lembre-se de que você está fornecendo informações que mudarão toda a vida de uma pessoa, causando um impacto sem precedentes, e que esse período é tão importante quanto o tempo da consulta. Por isso, tenha tempo para conversar, explicar e demonstrar todo o seu apoio.
Deixe o celular no silencioso e, caso seja muito necessário, informe ao paciente logo no início sobre o tempo disponível que vocês têm. Procure também um lugar com privacidade: nada de dar notícias desagradáveis próximo a outras pessoas. O ambiente seguro permite que o paciente reaja naturalmente e se sinta mais confortável.
Além disso, tenha em mente de que pode ser necessário explicar a mesma informação várias vezes. O choque pode dificultar a assimilação de frases simples. Por isso, seja muito paciente e repita tudo quantas vezes for necessário, até ter certeza de que não restam dúvidas sobre o diagnóstico e os próximos passos a serem dados no tratamento.
Caso nenhuma pergunta seja feita, não hesite em tomar a iniciativa e questionar se há algo para ser perguntado. Repasse todas as informações uma última vez e deixe claro que você está disponível para tirar todas as dúvidas sempre que elas surgirem.
Não é nada fácil dar diagnóstico difícil a um paciente. Infelizmente, esse momento faz parte do trabalho de todos os médicos e é importante que estejamos preparados para lidar com essa situação a fim de oferecer apoio àqueles que mais necessitam.
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